quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O espectro na tempestade


O espectro na tempestade

Era uma noite de dezembro, não recordo o dia. O vento violento trazia a previsão de uma tempestade. No céu não se viam estrelas, nem mesmo a lua, apenas nuvens pesadas, densas e escuras. Lá fora o portão batia, as correntes arrastavam em um balanço convulsionado, cachorros latiam ao longe, pedaços sem forma de metal eram jogados com violência de um lado para o outro. Os galhos do velho carvalho batiam descompassadamente no vidro da janela.
Eu estava deitado de costas na cama, parcialmente coberto com um lençol, atento a cada som que provinha de fora. Não conseguia dormir, e não tinha nada para fazer, uma vez que o abastecimento de energia havia sido interrompido. Todos na casa dormiam, afinal, já passava das duas horas.
Tive a impressão de ter ouvido um gemido, um grito, não sei ao certo. Esperei atento por um momento até ouvir novamente. Dessa vez estava claro, era um grito. Mas não era um grito qualquer, parecia o som de várias vozes, gritando de uma sala metálica. Um som robótico, um brado retroativo, cibernético.
Na terceira vez, tive a certeza de que não era somente a minha imaginação. Era um grito de dor, de medo, uma queixa assustada, um choro, um chamado. Pensei ter escutado meu nome. Uma voz aguda, profunda.
Após alguns instantes, tive a sensação de que aquelas vozes eram de pessoas que estavam lá fora, no pátio. Mas claro que isso não seria possível. A ventania não cessava.
De repente as correntes, o portão, os latidos, e até mesmo um sino que eu não havia percebido até então, criaram uma melodia em meus ouvidos. As vozes sincronizaram-se e cantaram em uníssono. Mas ainda assim eu não compreendia.
Até os galhos do carvalho passaram a bater compassadamente no vidro da janela. Batiam, arranhavam, pediam para entrar. E no meio dessa música macabra eu escutei meu nome. Não era a voz de minha mãe, ou de meu irmão. Eram as vozes daquele coral horrendo que por mais improvável que parecesse, só poderia estar no pátio de casa.
Levantei-me com calma, e me surpreendi ao ver o lençol caído no chão à frente da cama. Não me lembrava de tê-lo deixado cair. Fui até a janela e levantei a tranca. Ao erguer a estrutura, o vento me golpeou com força, e repentinamente a música se transformou em um grito agudo, mortificante, insuportável. Ao me recuperar do golpe violento, fechei a janela e alguns galhos do carvalho caíram no chão do quarto.
Para minha surpresa, aquele ruído horripilante extinguiu-se como que por mágica e eu voltei a escutar a melodia que tanto me intrigava. Ao observar o cenário veemente que se formara lá fora, logo percebi um espectro próximo ao portão, do lado de dentro do pátio. Parecia estar sentado em um balanço, mas não existia balanço algum ali. Não se movia, mas o vento açoitava suas longas vestes brancas enquanto devaneava melancolicamente olhando para minha janela. Sentia-me um pouco assustado, mas não conseguia parar de encarar aqueles olhos soturnos.
Não sei como explicar aquela minha visão. Não existe descrição para aquela criatura pálida, serena, mortificada.
De repente uma penumbra desceu sobre o espectro e rompeu em uma explosão silenciosa. A música cessou, a sombra consumiu o fantasma como um feitiço. Novamente eu escutava os galhos do velho carvalho.
Eu despertei, deitado de costas na cama. Respirei fundo e senti gotas de suor rolarem pela minha testa. Sentei na cama e vi a água escorrer pelo vidro da janela. Começara a chover. Levantei-me e fui até lá com a esperança de rever a criatura que havia me chamado. Não tinha nada além dos aspectos comuns de uma tempestade. Virei-me e vi o lençol no chão, caído em frente à cama. Achei aquilo curioso. Deitei-me e comecei a escutar com atenção a cada som, até adormecer novamente.

DJA_Lady



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