sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Como Eu não Possuo


Como Eu não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem - 
Um afecto, um sorriso ou um abraço. 
Só para mim as ânsias se diluem 
E não possuo mesmo quando enlaço. 

Roça por mim, em longe, a teoria 
Dos espasmos golfados ruivamente; 
São êxtases da côr que eu fremiria, 
Mas a minh'alma pára e não os sente! 

Quero sentir. Não sei... perco-me todo... 
Não posso afeiçoar-me nem ser eu: 
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu, 
Falta-me unção pra me afundar no lôdo. 

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser 
Forçoso me era antes possuir 
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher, 
E eu não logro nunca possuir!... 

Castrado de alma e sem saber fixar-me, 
Tarde a tarde na minha dor me afundo... 
Serei um emigrado doutro mundo 
Que nem na minha dor posso encontrar-me?... 

       *  

Como eu desejo a que ali vai na rua, 
Tão ágil, tão agreste, tão de amor... 
Como eu quisera emaranhá-la nua, 
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!... 

Desejo errado... Se a tivera um dia, 
Toda sem véus, a carne estilizada 
Sob o meu corpo arfando transbordada, 
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria... 

Eu vibraria só agonizante 
Sobre o seu corpo de êxtases dourados, 
Se fôsse aquêles seios transtornados, 
Se fôsse aquêle sexo aglutinante... 

De embate ao meu amor todo me ruo, 
E vejo-me em destrôço até vencendo: 
É que eu teria só, sentindo e sendo 
Aquilo que estrebucho e não possuo. 

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'



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