domingo, 27 de outubro de 2013

Houve um tempo feliz!
Um tempo que me permitia correr pelos campos Elísios 
Sem medo dos espinhos nos roseirais
Ou o vespeiro na macieira.

Um tempo em que os rouxinóis cantavam
Cantavam hinos, verdadeiras sinfonias
E as andorinhas, estas nunca voltavam
Já que nunca partiam.

Um tempo que cada noite
Cada luar
Bailavam estrelas cadentes
Numa eterna chuva dourada.

Houve um tempo feliz!
Eu era feliz
Mas a verdade surgiu em meios as minhas ilusões
Tão destruidora e tão libertadora.

Eu era feliz
Até deixar de ser cego!


 Jonny Augusto


Peço desculpas se o meu amor não foi o suficiente
Se o meu carinho não era bom
Peço desculpas por ter entrado em sua vida
Assim, sem jeito, sem força
Peço desculpas por não ter sido quem você quis
Nem como ou quando você queria
Peço desculpas por ter sido o inconveniente 
Aquele que não foi chamado e nem querido por todos
Peço desculpas por ter feridas incuráveis
E ser fraco ao te procurar
Peço desculpas por ter sonhado
Acho que a realidade não me satisfez
Peço desculpas por tudo isso
Pelo abraço, pelo beijo e pelas estrelas.


 Jonny Augusto


domingo, 5 de maio de 2013

Versos

[...]
Dei-te um beijo - despertaste,
Teus cabelos afastaste
Fitando os olhos em mim...
Que doce olhar de ternura!
Eu só queria a ventura
De um olhar suave assim!

- Fantasia, Álvares de Azevedo


Versos

[...]
Meu desejo? era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...

Meu desejo -  Álvares de Azevedo


domingo, 10 de março de 2013

Lembrança de Morrer

Lembrança de Morrer


Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
... Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade... é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade... é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Pouco - bem poucos... e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!  

Álvares de Azevedo




Citações

"Corações são frágeis. E acho que mesmo quando a pessoa se cura, ela nunca mais volta a ser como era antes.”

- Cidade dos Anjos Caídos.


sexta-feira, 8 de março de 2013

Citações


“Ninguém deve saber que meu coração e minha mente estão sempre em guerra um com o outro.”

— Diário de Anne Frank.


terça-feira, 5 de março de 2013

Citações


“Ninguém chorará quando eu morrer, mesmo porque, eu já me sinto morto, meu coração é gelado.”

— Filosofia da Destruição


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quero lhe beijar a boca


Quero lhe beijar a boca
morder seus lábios
e brincar sua língua na minha.
Quero lhe beijar a nuca
lhe arrepiar inteiro
encostar meu peito no seu
até os corações se compassarem
as mãos entrelaçadas suarem.
Quero um abraço eterno
de guardar seu cheiro na minha pele.
Quero me queimar no seu fogo
e guardar pra sempre a cicatriz escarlate
desse nosso encontro.

Léa Waider


O chão é cama


O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.


Carlos Drummond de Andrade



Sob o chuveiro amar


Sob o chuveiro amar, sabão e beijos, 
ou na banheira amar, de água vestidos, 
amor escorregante, foge, prende-se, 
torna a fugir, água nos olhos, bocas, 
dança, navegação, mergulho, chuva, 
essa espuma nos ventres, a brancura 
triangular do sexo -- é água, esperma, 
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fontes? 

Carlos Drummond de Andrade


Cuerpo de mujer...


Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.

Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
¡Ah los vasos del pecho! ¡Ah los ojos de ausencia!
¡Ah las rosas del pubis! ¡Ah tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.
Mi sed, mi ansia si límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito.

Pablo Neruda


Arte de amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira


Trecho - Depois da Escuridão, Sidney Sheldon


        -Estou apaixonado por você, Grace. Sinto muito se isso complica as coisas. Mas eu estou.
        O rosto de Grace amoleceu. Gostava de Mitch, no fim das contas. E ele arriscara a própria vida para tentar salvar a dela. Não havia motivo para ficar com raiva dele. Mas amor? Não. Não poderia amar de novo. Não depois de Lenny. Amor era uma fantasia. Não existia.



Trecho - Depois da Escuridão, Sidney Sheldon


[...]
        - Não é que eu não tenha sentimentos por ele. O mais certo seria dizer que não tenho sentimentos, ponto. Estou entorpecida.
Mitch apertou a mão dela.
        - Leva tempo, só isso. Você passou por muita coisa.
        - Para ser franca, eu não sei se quero voltar a sentir alguma coisa. Quero paz.
        Ela olhou pela janela. Era final de maio, e a primavera se espalhava pelas árvores na calçada, explodindo em flores, o céu azul vivo com pássaros e alegria. Grace pensou: Fico feliz que a vida continue, que seja linda. Mas não posso mais fazer parte dela.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

O gato preto




        Não espero nem peço que se dê crédito à história sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas amanhã morro e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Devido a suas conseqüências, tais acontecimentos me aterrorizaram, torturaram e destruíram.
        No entanto, não tentarei esclarecê-los. Em mim, quase não produziram outra coisa senão horror — mas, em muitas pessoas, talvez lhes pareçam menos terríveis que grotesco. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza o meu fantasma a algo comum — uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que, a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais.
        Desde a infância, tornaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tomava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande
variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tomei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões freqüentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.
        Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato. Este último era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade.
Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia freqüentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.
        Pluto — assim se chamava o gato — era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa. Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua. Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento — enrubesço ao confessá-lo — sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior. Tomava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim — que outro mal pode se comparar ao álcool? — e, no fim, até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tomara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor.
          Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela
genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser. Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.
       Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão — dissipados já os vapores de minha orgia noturna — , experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que acontecera.
        Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. Uma manhã, a sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele.
Enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado — um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.
      Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de "fogo!". As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.
      Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito - entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma seqüência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte, resistido à ação do fogo — coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela, As palavras "estranho!", "singular!", bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em tomo do pescoço do animal.



        Logo que vi tal aparição — pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa — , o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me, fora enforcado num jardim existente junto à casa. Aos gritos de alarma, o jardim fora imediatamente invadido pela multidão. Alguém deve ter retirado o animal da árvore, lançando-o, através de uma janela aberta, para dentro do meu quarto. Isso foi feito, provavelmente, com a intenção de despertar-me. A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade no gesso recentemente colocado sobre a parede que permanecera de pé. A cal do muro, com as chamas e o amoníaco desprendido da carcaça, produzira a imagem tal qual eu agora a via.
        Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante meses, não pude livrar-me do fantasma do gato e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do animal e a procurar, nos sórdidos lugares que então frequentava, outro bichano da mesma espécie e de aparência semelhante que pudesse substituí-lo.
        Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme — tão grande quanto Pluto — e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o corpo — e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito. Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer.
       Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não o conhecia; jamais o vira antes.
Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse — detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse a casa, tomando-se, logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher.
        De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que - não sei como nem por quê — seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha, bem como a
lembrança da crueldade que praticara, impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer violência; mas, aos poucos - muito gradativamente — , passei a sentir por ele inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como se fugisse de uma peste.
          Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um dos olhos. Tal circunstância, porém, apenas contribuiu para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra, em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros.
          No entanto, a preferência que o animal demonstrava pela minha pessoa parecia aumentar em razão direta da aversão que sentia por ele. Seguia-me os passos com uma pertinácia que dificilmente poderia fazer com que o leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava-se embaixo de minha cadeira, ou me saltava ao colo, cobrindo-me com suas odiosas carícias. Se me levantava para andar, metia-se-me entre as pemas e quase me derrubava, ou então, cravando suas longas e afiadas garras em minha roupa, subia por ela até o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse ímpetos de matá-lo de um golpe, abstinha-me de fazê-lo devido, em parte, à lembrança de meu crime anterior, mas, sobretudo — apresso-me a confessá-lo — , pelo pavor extremo que o animal me despertava.
Esse pavor não era exatamente um pavor de mal físico e, contudo, não saberia defini-lo de outra maneira.            Quase me envergonha confessar — sim, mesmo nesta cela de criminoso — , quase me envergonha confessar que o terror e o pânico que o animal me inspirava eram aumentados por uma das mais pura fantasias que se possa imaginar. Minha mulher, mais de uma vez, me chamara a atenção para o aspecto da mancha branca a que já me referi, e que constituía a única diferença visível entre aquele estranho animal e o outro, que eu enforcara. O leitor, decerto, se lembrará de que aquele sinal, embora grande, tinha, a princípio, uma forma bastante indefinida. Mas, lentamente, de maneira quase imperceptível — que a minha imaginação, durante muito tempo, lutou por rejeitar como fantasiosa —, adquirira, por fim, uma nitidez rigorosa de contornos. Era, agora, a imagem de um objeto cuja menção me faz tremer... E, sobretudo por isso, eu o encarava como a um monstro de horror e repugnância, do qual eu, se tivesse coragem, me teria livrado. Era agora, confesso, a imagem de uma coisa odiosa, abominável: a imagem da forca! Oh, lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte! Na verdade, naquele momento eu era um miserável — um ser que ia além da própria miséria da humanidade. Era uma besta-fera, cujo irmão fora por mim desdenhosamente destruído... uma besta-fera que se engendrara em mim, homem feito à imagem do  Deus Altíssimo. Oh, grande e insuportável infortúnio! Ai de mim! Nem de dia, nem de noite, conheceria jamais a bênção do descanso! Durante o dia, o animal não me deixava a sós um único momento; e, à noite, despertava de hora em hora, tomado do indescritível terror de sentir o hálito quente da coisa sobre o meu rosto, e o seu enorme peso — encarnação de um pesadelo que não podia afastar de mim — pousado eternamente sobre o meu coração!
        Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. Pensamentos maus converteram-se em meus únicos companheiros — os mais sombrios e os mais perversos dos pensamentos.             Minha rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade — e enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, freqüentes e irreprimíveis acessos de cólera, minha mulher - pobre dela! - não se queixava nunca convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.
        Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a morar. O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.



        Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos. Ocorreram-me vários planos. Pensei, por um instante, em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los por meio do fogo. Resolvi, depois, cavar uma fossa no chão da adega. Em seguida, pensei em atirá-lo ao poço do quintal. Mudei de ideia e decidi metê-lo num caixote, como se fosse uma mercadoria, na forma habitual, fazendo com que um carregador o retirasse da casa.
Finalmente, tive uma ideia que me pareceu muito mais prática: resolvi emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas.
        Aquela adega se prestava muito bem para tal propósito. As paredes não haviam sido construídas com muito cuidado e, pouco antes, haviam sido cobertas, em toda a sua extensão, com um reboco que a umidade impedira de endurecer. Ademais, havia uma saliência numa das paredes, produzida por alguma chaminé ou lareira, que fora tapada para que se assemelhasse ao resto da adega. Não duvidei de que poderia facilmente retirar os tijolos naquele lugar, introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo modo, sem que nenhum olhar pudesse descobrir nada que despertasse suspeita.
        E não me enganei em meus cálculos. Por meio de uma alavanca, desloquei facilmente os tijolos e tendo depositado o corpo, com cuidado, de encontro à parede interior. Segurei-o nessa posição, até poder recolocar, sem grande esforço, os tijolos em seu lugar, tal como estavam anteriormente. Arranjei cimento, cal e areia e, com toda a precaução possível, preparei uma argamassa que não se podia distinguir da anterior, cobrindo com ela, escrupulosamente, a nova parede. Ao terminar, senti-me satisfeito, pois tudo correra bem. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido rebocada. Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando o olhar em tomo, disse, de mim para comigo: "Pelo menos aqui, o meu trabalho não foi em vão".
        O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas parece que o esperto animal se alarmara ante a violência de minha cólera, e procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me
causava a ausência de tão detestável felino. Não apareceu também durante a noite — e, assim, pela primeira vez, desde sua entrada em casa, consegui dormir tranquila e profundamente. Sim, dormi mesmo com o peso daquele assassínio sobre a minha alma.
        Transcorreram o segundo e o terceiro dia — e o meu algoz não apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro, aterrorizado fugira para sempre de casa. Não tomaria a vê-lo! Minha felicidade era infinita! A culpa de minha tenebrosa ação pouco me inquietava. Foram feitas algumas investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se, também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.
        No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação. Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. Os policiais pediram-me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram de esquadrinhar um canto sequer da casa. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram novamente ao porão. Não me alterei o mínimo que fosse. Meu coração batia calmamente, como o de um inocente. Andei por todo o porão, de ponta a ponta. Com os braços cruzados sobre o peito, caminhava, calmamente, de um lado para outro.
        A polícia estava inteiramente satisfeita e preparava-se para sair. O júbilo que me inundava o coração era forte demais para que pudesse contê-lo. Ardia de desejo de dizer uma palavra, uma única palavra, à guisa de triunfo, e também para tomar duplamente evidente a minha inocência.
        — Senhores — disse, por fim, quando os policiais já subiam a escada — , é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia. Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída... (Quase não sabia o que dizia, em meu desejo de falar com naturalidade.) Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes — os senhores já se vão? — , estas paredes são de grande solidez.
        Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás da qual se achava o corpo da esposa de meu coração. Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.
Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até à parede oposta. Durante um instante, o grupo de policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento, doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu, ereto, aos olhos dos presentes. Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco.
 Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba!

Edgar Allan Poe


quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

É quando estás de joelhos...


É quando estás de joelhos
que és toda bicho da Terra
toda fulgente de pêlos
toda brotada de trevas
toda pesada nos beiços
de um barro que nunca seca
nem no cântico dos seios
nem no soluço das pernas
toda raízes nos dedos
nas unhas toda silvestre
nos olhos toda nascente
no ventre toda floresta
em tudo toda segredo
se de joelhos me entregas
sempre que estás de joelhos
todos os frutos da Terra.

David Mourão-Ferreira


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eu quero ser possuída por você


"Eu quero ser possuída por você, pelo seu corpo, 
pela sua proteção, pelo seu sangue. 
Me ama! 
Eu quero que você me ame e fique eternamente me amando dentro de mim.
Com sua carne e o seu amor. 
Eternamente, infinitamente dentro de mim 
me envolvendo, me decifrando, me consumindo, me revelando... 
Como uma tarde dentro do elevador, no verão, voltando da praia 
e você me abraçou e eu te abracei... 
E quanto mais eu me entregava, mais nascia o meu desejo, 
Mais sobrava só o desejo, e mais eu te queria sem palavras, sem pensamentos... 
A vida inteira resumida só no desejo da tua boca dizendo o meu nome, 
Da tua mão conduzindo a minha mão, 
Do teu corpo revelando o meu corpo, 
Como se o mundo fosse pela primeira vez, 
Você o meu ponto de referência nessa cidade..."

José Vicente


sábado, 26 de janeiro de 2013

Trecho de "O Cemitério de praga", de Umberto Eco


[...]


        Diante do altar, em semicírculo, dispõe-se uma fileira de jovenzinhos, meninos à direita e meninas à esquerda. A idade de ambos os grupos é tão pouca que quase não se notaria diferença entre os dois sexos, e aquele gentil anfiteatro poderia parecer habitado por graciosos andróginos, cujas diferenças são ainda mais atenuadas em virtude de todos trazerem sobre a cabeça uma coroa de rosas murchas, se não fosse pelo fato de que os meninos estão nus e distinguem-se pelo membro que ostentam, mostrando-o uns aos outros, enquanto as meninas estão cobertas por curtas túnicas de tecido quase transparente, que lhes acariciam os pequenos seios e a curva imatura dos quadris, sem esconder nada. São todos muito bonitos, embora os rostos expressem mais malícia do que inocência, mas isso certamente lhes aumenta o fascínio - e devo confessar (curiosa situação, em que eu, padre, confesso-me ao senhor, capitão!) que, enquanto isso, não digo terror, mas ao menos temor diante de uma mulher madura, me é difícil subtrair-me à sedução de uma criatura impúbere.
Aqueles clérigos singulares passam por trás do altar, trazendo pequenos incensórios que distribuem aos presentes; depois, alguns levam uns raminhos resinosos até as trípodes, acendem-nos e, com eles, atiçam os turíbulos , dos quais escapam uma fumaça densa e um perfume enervante de drogas exóticas. Outros daqueles efebos nus estão distribuindo pequenas taças, e uma é oferecida também a mim.
-Beba, senhor abade - diz-me um jovenzinho de olhar descarado -, serve para entrar no espírito do rito.
Bebi, e agora vejo e sinto como se tudo acontecesse em meio a uma névoa.
Eis que entra Boullan. Usa a clâmide branca sob uma casula vermelha, em que aparece um crucifixo de cabeça para baixo. Na intersecção entre os dois braços da cruz, vê-se a imagem de um bode preto, erguido nas patas traseiras e estendendo os chifres... Porém, ao primeiro movimento do celebrante, como que por acaso ou negligência, mas na verdade por assanhamento perverso, a clâmide se abriu na frente, mostrando um falo de proporções notáveis, como eu jamais imaginaria em um ser flácido como Boullan, e ereto, em virtude de alguma droga que evidentemente o abade consumiu antes. As pernas estão cobertas por meias escuras mas notavelmente transparentes, como aquelas (ai de mim, já reproduzidas no Charivari e em outros hebdomadários, visíveis até para abades e padres, mesmo que estes não quisessem) de Celeste Mogador quando dançava o cancã no Bal Mabille.
O celebrante virou as costas aos fieis e iniciou sua missa em latim, enquanto os andróginos lhe respondem.
- In nomine Astaroth et Beelzébuth, introibo ad altare Satanae.
- Qui laetificat cupiditatem nostram.
- Lucifer omnipotents, emitte tenebram tuam et afflige inimicos nostros.
- Ostende nobis, Domine Satanas, potentiam tuam, et exaudi luxuriam meam.
- Et blasphemia mea ad te veniat.
Então, Boullan estraiu da roupa uma cruz, colocou-a sob os pés e pisoteou-a várias vezes:
- Ó, cruz, eu te esmago em memória e em vingança dos antigos Mestres do Templo. Eu te pisoteio porque foste instrumento de falsa santificação do falso deus Cristo Jesus.
E, nesse momento, Diana, sem me avisar e como que por súbita iluminação (mas certamente por instruções que Boullan lhe deu na véspera, em confissão), atravessa a nave entre as duas alas de fieis (ou infieis, que sejam), com um gesto hierático arranca subitamente o capuz e o manto, mostrando-se nua. Faltam-me as palavras, capitão Simonini, mas é como se eu a visse, desvelada com Ísis, o rosto coberto apenas por uma sutil máscara negra.
Sou tomado por uma espécie de singulto ao ver pela primeira vez uma mulher em toda a insustentável violência do seu corpo descingido. Os cabelos de ouro fulvo, que ela geralmente mantém castamente presos em coque, agora deixados livres, descem impudicamente até acariciar-lhe as nádegas, de uma rotundidade malignamente perfeita. Dessa estátua pagã nota-se  a sobrebia do colo sutil, que se ergue como uma coluna acima dos ombros de uma brancura marmórea, enquanto os seios (e vejo pela primeira vez as mamas de uma mulher) se erigem firmemente magníficos e satanicamente orgulhosos. Entre eles, único resíduo não carnal, o medalhão que Diana jamais abandona.
Ela se volta e, com laguidez lúbrica, sobe os três degraus que levam ao altar; então, ajudada pelo celebrante, deita-se ali, a cabeça abandonada sobre uma almofada de veludo preto franjado de prata; os cabelos flutuam além das bordas da mesa, o ventre ligeiramente arqueado, as pernas abertas a fim de mostrar o velo acobreado que esconde a entrada daquela sua mulíebre caverna enquanto o corpo resplandece sinistro ao reflexo avermelhado das velas. Meu Deus, não sei com que palavras descrever o que estou vendo, é como se meu natural horror à carne feminina e o temor que ela me inspira se tivessem dissolvido para abrir espaço somente a uma sensação nova, como se um licor jamais saboreado me corresse pelas veias...
Boullan depositou sobre o peito de Diana um pequeno falo de marfim e sobre seu ventre, um tecido bordado, em que pousou um cpalice feito de uma pedra escura.
Do cálice tirou uma hóstia, e sem dúvida, não se trata de uma daquelas já consagradas com as quais o senhor, capitão Simonini, faz comércio, mas sim de uma partícula que Boullan, ainda padre da Santa Igreja Romana para todos os efeitos, embora provavelmente escomungado, está prestes a consagrar sobre o ventre de Diana.
E diz:
- Suscipe, Domine Satanas, hanc hostiam, quam ego indignus famulus tuus offero tibi. Amen.
Então, pega a hóstia e, após baixá-la duas vezes até o solo, erguê-la duas vezes para o céu e girá-la uma vez para a direita e outra para a esquerda, mostra-a aos fieis, dizendo:
- Do sul invoco a benevolência de Satanás, do leste invoco a benevolência de Lúcifer, do norte invoco a benevolência de Belial, do oeste invoco a benevolência de Leviatã; escancarem-se os portões dos infernos e veham a mim, chamadas por esses nomes, as Sentinelas do Poço do Abismo. Pai nosso, que estás nos infernos, maldito seja  o teu nome, aniquilado seja o teu reino, desprezada seja a tua vontade, assim na terra como no inferno! Louvado seja o nome da Besta!
E o coro dos jovenzinhos, em voz alta:
- Seis, seis, seis!
O número da Besta!



Agora, Boullan grita:
Magnificado seja Lúcifer, cujo nome é Desventura. Ó mestre do pecado, dos amores inaturais, dos benéficos incestos, da divina sodomia, Satanás, é a ti que adoramos! E tu, ó Jesus, eu te forço a te encarnares nesta hóstia, de tal maneira que possamos renovar teus sofrimentos e mais uma vez atormentar-te com os cravos que te crucificaram e perfurar-te coma lança de Longino!
- Seis, seis, seis - repetem os jovens.
Boullan eleva a hóstia e ronuncia:
- No princípio era a carne, e a carne estava com Lúcifer e a carna era Lúcifer. No princípio ela estava com Lúcifer: tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. E a carne se fez palavra e veio habitar no meio de nós, na treva, e vimos seu opaco esplendor de filha unigênita de Lúcifer, cheia de bramidos, furor e desejo.
Boullan desliza a partícula sobre o ventre de Diana e, em seguida, imerge-a na vagina dela. Quando a estrai, ergue-a para a nave, gritando bem alto:
- Tomai e comei!
Dois dos andróginos se prostram à sua frente, levantam-lhe a clâmide e, juntos, beijam-lhe o membro ereto. Depois, todo o grupo dos adolescentes se precipita aos seus pés e, enquanto os meninos começam a masturbar-se, as meninas arrancam-se reciprocamente os véus e se emaranham umas sobre as outras, soltando berros voluptuosos. O ar se enche de outros perfumes, cada vez mais insuportavelmente violentos, e todos os presentes, primeiro lançando suspiros de desejo e em seguida brados de volúpia, despem-se e começam a acoplar-se um com o outro, sem distinções de sexo ou de idade; vejo entre os vapores uma megera mais que setentona, a pele toda rugosa, os seios reduzidos a duas folhas de salada, as pernas esqueléticas, rolar pelo chão enquanto um adolescente beija vorazmente aquela que era sua vulva.
Eu tremo dos pés a cabeça e olho ao redor, procurando como sair daquele lupanar; o espaço onde me encolhi está tão cheio de bafo venenoso que é como se eu vivesse em uma nuvem espessa, aquilo que bebi no início certamente me drogou, não consigo mais raciocinar e agora vejo tudo como que através de uma névoa avermelhada. E, através dessa névoa, distinguo Diana, sempre nua, sem a máscara, descendo do altar enquanto a multidão dos insensatos, mesmo continuando na sua confusão carnal, faz o possível para abrir caminho à passagem dela. Diana se dirige para mim.
Tomado pelo terror de reduzir-me àquela massa de alucinados, retrocedo, mas acabo contra uma coluna. Diana se aproxima, ofegante; oh meu Deus, a pena me treme, a mente me vacila, lacrimante de repulsa como estou (agora como então), incapaz até mesmo de gritar porque ela me invadiu a boca com algo que não é meu; sinto-me rolar pelo solo, os perfumes me atordoam, aquele corpo que tenta se confundir com o meu proporciona-me uma excitação pré-agônica; endemoniado como se fosse uma histérica da Salpêtrière, toco (com minhas mãos, como se quisesse isso!) aquela carne estranha, penetro sua ferida com insana curiosidade de cirurgião; imploro àquela feiticeira que me deixe, mordo-a para me defender e ela me pede aos gritos que repita; inclino a cabeça para trás, pensando no doutor Tissot, sei que daquelas vertigens resultarão o emagrecimento de todo o meu corpo, a palidez terrosa do meu rosto agonizante, a vista enevoada, os sonos agitados, a rouquidão das fauces, as dores dos bulbos oculares, a invasão mefítica de manchas vermelhas no rosto, o vômito de matérias calcinadas, as palpitações do coração - e, por fim, com sífilis, a cegueira.
E quando já não vejo mais nada, experimento subitamente a mais lancinante, indizível e insuportável sensação da minha vida, como se todo o sangue das minhas veias esguichasse repentinamente de uma ferida em cada um dos meus membros tensionados até o espasmo, do nariz, dos ouvidos, da ponta dos dedos, até do ânus; socorro, socorro, creio compreender o que é a morte, da qual todo vivente foge embora a procure pelo instinto inatural de multiplicar a própria semente...
[...]

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Noite


Noite

De noite só quero vestido
o tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos

Sobre os seios quero
a marca
do sinal dos teus dentes

e a vergasta dos teus
lábios
a doer-me sobre o ventre

Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais
ardente

e da saliva o chicote
da tua língua dormente

Maria Tereza Horta



Luxúria


Luxúria

Isabella Taviani

Dobro os joelhos quando você me pega
Me amassa, me quebra, me usa demais...

Perco as rédeas quando você
Demora, devora, implora
E sempre por mais...

Eu sou navalha cortando na carne
Eu sou a boca que a língua invade
Sou o desejo maldito e bendito,
Profano e covarde...

Desfaça assim de mim que eu gosto e desgosto
Me dobro, nem lhe cobro
Rapaz!
Ordene, não peça
Muito me interessa a sua potência,
Seu calibre, seu gás...

Sou o encaixe
O lacre violado
E tantas pernas por todos os lados
Eu sou o preço cobrado e bem pago
Eu sou um pecado capital...

Eu quero é derrapar nas curvas do seu corpo
Surpreender seus movimentos
Virar o jogo
Quero beber, o que dele escorre pela pele
E nunca mais esfriar minha febre...


Como Eu não Possuo


Como Eu não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem - 
Um afecto, um sorriso ou um abraço. 
Só para mim as ânsias se diluem 
E não possuo mesmo quando enlaço. 

Roça por mim, em longe, a teoria 
Dos espasmos golfados ruivamente; 
São êxtases da côr que eu fremiria, 
Mas a minh'alma pára e não os sente! 

Quero sentir. Não sei... perco-me todo... 
Não posso afeiçoar-me nem ser eu: 
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu, 
Falta-me unção pra me afundar no lôdo. 

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser 
Forçoso me era antes possuir 
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher, 
E eu não logro nunca possuir!... 

Castrado de alma e sem saber fixar-me, 
Tarde a tarde na minha dor me afundo... 
Serei um emigrado doutro mundo 
Que nem na minha dor posso encontrar-me?... 

       *  

Como eu desejo a que ali vai na rua, 
Tão ágil, tão agreste, tão de amor... 
Como eu quisera emaranhá-la nua, 
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!... 

Desejo errado... Se a tivera um dia, 
Toda sem véus, a carne estilizada 
Sob o meu corpo arfando transbordada, 
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria... 

Eu vibraria só agonizante 
Sobre o seu corpo de êxtases dourados, 
Se fôsse aquêles seios transtornados, 
Se fôsse aquêle sexo aglutinante... 

De embate ao meu amor todo me ruo, 
E vejo-me em destrôço até vencendo: 
É que eu teria só, sentindo e sendo 
Aquilo que estrebucho e não possuo. 

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'



Fazer estrelas

Fazer estrelas


Fazer amor como
quem faz estrelas
pari-las
vê-las
surgir em explosões
orgásticas
fantásticas
beleza plástica
de pernas entrelaçadas
peles entremeadas
ungidas
pêlos, sêmen,
suores bênçãos
soluços cálidos
sussurros tímidos
urgentes.

Passear a língua no
corpo
como alpinista
montes, depressões
escalas, o pico
o ápice
o pênis pulsa
tórrido
mármore
a língua feito artista
a desenhar sóis
nos mamilos
pernas abertas
frondosas árvores
sulcos
suculentos frutos
saliva
filetes
falsetes das vozes
roucas.

Nalú Nogueira



Canção primaveril


Canção primaveril


Anda no ar a excitação
de seios súbito exibidos
à torva luz de um alçapão,
por onde os corpos rolarão,
mordidos!

Ou é um deus, ou foi a Morte
que nos vestiu este torpor;
e a Primavera é um chicote,
abrindo as veias e o decote
ao meu amor!

Esqueço que os dedos têm ossos:
é só de sangue esta carícia;
apenas nervos os pescoços...
Mas nos teus olhos, nos meus olhos,
a luz da morte brilha.

David Mourão-Ferreira


Corpo adentro


Corpo adentro


Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.

Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.

Teu corpo é pele exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.

Marina Colassanti


Trecho de "O Cemitério de Praga" de Umberto Eco

[...]

Depois de publicar alguns livros, um atrás do outro, Taxil já estava esgotando o pouco que sabia sobre a maçonaria. Ideias frescas só lhe vinham da Diana "má" que emergia sob hipnose e que, com os olhos arregalados, contava cenas às quais talvez houvesse assistido, ou das quais ouvira falar na América ou que simplesmente imaginava. Eram histórias que nos deixavam com as respiração suspensa e devo dizer que, mesmo sendo homem de experiência (imagino), eu ficava escandalizado. Por exemplo, um dia ela começou a falar da iniciação da sua inimiga, Sophia Walder, ou Sophia Sapho se preferirem, e não entendíamos se percebia o sabor incestuoso de toda a cena, mas certamente não a narrava em tom de esconjuro, e sim com a excitação de quem, privilegiada, vivera aquilo.
- Foi o pai dela - dizia lentamente Diana - quem a fez adormecer e lhe passou um ferro ardente sobre os lábios... Devia assegurar-se de que o corpo fosse isolado de qualquer cilada proveniente de fora. Ela trazia ao pescoço uma joia, uma serpente enrolada... Pois bem, o pai lhe tira o colar, abre um cesto, estrai dali uma serpente viva e a pousa sobre o ventre dela... É belíssima, parece dançar enquanto rasteja, sobe até o pescoço de Sophia e se enrola para tomar o lugar da joia... Agora sobe até o rosto, estira a língua, que vibra, até os lábios, e a beija, sibilando. Como é... esplendidamente... escorregadia... Agora, Sophia desperta, tem a boca espumante, levanta-se e fica em pé, rígida como uma estátua; o pai lhe desata o corselete, deixa seus seios nus! E, agora, com uma varinha, finge escrever sobre o peito dela uma pergunta  as letras se gravam vermelhas sobre a carne; a serpente, que parecia haver adormecido, desperta sibilando e move a cauda para traçar a resposta, sempre sobre a carna nua de Sophia...
[...]


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O espectro na tempestade


O espectro na tempestade

Era uma noite de dezembro, não recordo o dia. O vento violento trazia a previsão de uma tempestade. No céu não se viam estrelas, nem mesmo a lua, apenas nuvens pesadas, densas e escuras. Lá fora o portão batia, as correntes arrastavam em um balanço convulsionado, cachorros latiam ao longe, pedaços sem forma de metal eram jogados com violência de um lado para o outro. Os galhos do velho carvalho batiam descompassadamente no vidro da janela.
Eu estava deitado de costas na cama, parcialmente coberto com um lençol, atento a cada som que provinha de fora. Não conseguia dormir, e não tinha nada para fazer, uma vez que o abastecimento de energia havia sido interrompido. Todos na casa dormiam, afinal, já passava das duas horas.
Tive a impressão de ter ouvido um gemido, um grito, não sei ao certo. Esperei atento por um momento até ouvir novamente. Dessa vez estava claro, era um grito. Mas não era um grito qualquer, parecia o som de várias vozes, gritando de uma sala metálica. Um som robótico, um brado retroativo, cibernético.
Na terceira vez, tive a certeza de que não era somente a minha imaginação. Era um grito de dor, de medo, uma queixa assustada, um choro, um chamado. Pensei ter escutado meu nome. Uma voz aguda, profunda.
Após alguns instantes, tive a sensação de que aquelas vozes eram de pessoas que estavam lá fora, no pátio. Mas claro que isso não seria possível. A ventania não cessava.
De repente as correntes, o portão, os latidos, e até mesmo um sino que eu não havia percebido até então, criaram uma melodia em meus ouvidos. As vozes sincronizaram-se e cantaram em uníssono. Mas ainda assim eu não compreendia.
Até os galhos do carvalho passaram a bater compassadamente no vidro da janela. Batiam, arranhavam, pediam para entrar. E no meio dessa música macabra eu escutei meu nome. Não era a voz de minha mãe, ou de meu irmão. Eram as vozes daquele coral horrendo que por mais improvável que parecesse, só poderia estar no pátio de casa.
Levantei-me com calma, e me surpreendi ao ver o lençol caído no chão à frente da cama. Não me lembrava de tê-lo deixado cair. Fui até a janela e levantei a tranca. Ao erguer a estrutura, o vento me golpeou com força, e repentinamente a música se transformou em um grito agudo, mortificante, insuportável. Ao me recuperar do golpe violento, fechei a janela e alguns galhos do carvalho caíram no chão do quarto.
Para minha surpresa, aquele ruído horripilante extinguiu-se como que por mágica e eu voltei a escutar a melodia que tanto me intrigava. Ao observar o cenário veemente que se formara lá fora, logo percebi um espectro próximo ao portão, do lado de dentro do pátio. Parecia estar sentado em um balanço, mas não existia balanço algum ali. Não se movia, mas o vento açoitava suas longas vestes brancas enquanto devaneava melancolicamente olhando para minha janela. Sentia-me um pouco assustado, mas não conseguia parar de encarar aqueles olhos soturnos.
Não sei como explicar aquela minha visão. Não existe descrição para aquela criatura pálida, serena, mortificada.
De repente uma penumbra desceu sobre o espectro e rompeu em uma explosão silenciosa. A música cessou, a sombra consumiu o fantasma como um feitiço. Novamente eu escutava os galhos do velho carvalho.
Eu despertei, deitado de costas na cama. Respirei fundo e senti gotas de suor rolarem pela minha testa. Sentei na cama e vi a água escorrer pelo vidro da janela. Começara a chover. Levantei-me e fui até lá com a esperança de rever a criatura que havia me chamado. Não tinha nada além dos aspectos comuns de uma tempestade. Virei-me e vi o lençol no chão, caído em frente à cama. Achei aquilo curioso. Deitei-me e comecei a escutar com atenção a cada som, até adormecer novamente.

DJA_Lady



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

"Le cochon"


"Le cochon" 

(Trecho de 'O Cemitério de Praga', de Umberto Eco)


[...]
Só que, certa noite, o mais licencioso dos nossos colegas revelou ter descoberto no sótão, bem escondidos em um arquibanco pelo seu desavergonhadíssimo e dissoluto pai, alguns daqueles volumes que em Turim eram então chamados (em francês) de cochons, e, não ousando exibi-los sobre a mesa untuosa do Gambero d'Oro, decidiu emprestá-los alternadamente a cada um de nós, de modo que, quando chegou a minha vez, não pude recusar.

Assim, noite alta, folheei queles tomos, que deviam ser preciosos e caros, encadernados como eram em marroquim, nervuras na lombada e rótulo vermelho, corte em ouro, fleurons dourados nas pranchas e - alguns - aux armes. Intitulavam-se Une veillée de jeune fille ou Ah! monseigneur, si Thomas nous voyait!, e eu sentia calafrios ao folhear aquelas páginas e encontrar gravuras que me faziam derramar rios de suor, dos cabelos às bochechas e ao pescoço: mulheres de pouca idade levantando as saias para mostrar traseiros de ofuscante brancura, oferecidas ao ultraje de machos lascivos e tampouco sabia se me perturbavam mais aquelas rotundidades despudoradas ou o sorriso quase virginal da jovem, que virava impudicamente a cabeça para seu  direita de um macho de cabelos desgrenhados, que, enquanto isso, penetrava e beijava a deprofanador, com olhos maliciosos e um sorriso casto a lhe iluminar o rosto, emoldurado por cabelos corvinos dispostos em dois coques laterais, ou, bem mais terríveis, três mulheres em um divã que abriam as pernas, mostrando aquela que deveria ser a defesa natural do seu púbis virginal, uma oferecendo-a  à mãosavergonhada vizinha, e, da terceira, ignorando-lhe a virilha exposta, abria com a mão esquerda o decote levemente licencioso, puxando-lhe o corpete. Depois encontrei a curiosa caricatura de um abade de rosto verruguento que, visto de perto, mostrava-se composto de nus femininos e masculinos variadamente enroscados e penetrados por enormes membros viris, muitos dos quais pendiam enfileirados sobre a nuca, como que para formar, com seus testículos, uma espessa cabeleira que terminava em cachos graúdos.
[...]


domingo, 13 de janeiro de 2013

Amour - Rammstein


Amour

Rammstein
Die Liebe ist ein wildes Tier
Sie atmet dich, sie sucht nach dir
Nistet auf gebrochenem Herz
Und geht auf Jagd bei Kuss und Kerzen
Saugt sich fest an deinen Lippen
Gräbt sich dinge durch die Rippen
Lässt sich fallen, weiss wie Schnee
Erst wird es Heiss, dann Kalt, am Ende tut es weh

Amour Amour 
Alle wollen nur dich zähmen
Amour Amour
Am Ende
Gefangen zwischen deinen Zähnen

Die Liebe ist ein wildes Tier
Sie beißt und kratzt und tritt nach mir
Hält mich mit tausend Armen fest
Zerrt mich in ihr Liebesnest

Frisst mich auf mit Haut und Haaren
Und wirbt mich wieder aus nach Tag und Jahr
Lässt sich fallen, weich wie Schnee
Erst wird es Heiss, dann Kalt, am Ende tut es weh

Rammstein



Amor

O amor é um animal selvagem
Ele te respira ele te procura
Ele se aninha sob corações partidos
E vai à caça quando há beijos e velas
Ele chupa com força nos seu lábios
E cava túneis entre suas costelas
Ele cai suavemente como neve
Primeiro ele fica quente então frio por fim ele machuca

Amor Amor
Todos só querem te domar
Amor Amor
No final
Pego entre seus dentes

O amor é um animal selvagem
Ele morde e arranha e caminha em minha direção
Ele me segura com força com mil braços
E me arrasta para dentro de seu ninho de amor

Ele me devora completamente
E tenta me regurgitar depois de muitos anos
Ele cai suavemente como neve
Primeiro ele fica quente então frio por fim ele machuca

Rammstein