sábado, 29 de dezembro de 2012

Versos - Clément Marot


"Quand on te voit, il vient à maints
Une envie dedans les mains
De te tâter, de te tenir..." ¹

Clément Marot


¹ "Todas as vezes que te vejo,
Vem-me às mãos um grande desejo
De te tocar, de ter-te em mim..."


Adeus, meus sonhos!

Adeus, meus sonhos!


Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E a tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
A minha alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? morra comigo
A estrela de meus cândidos amores
Já que não levo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

Álvares de Azevedo


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Tears of sky

Tears of sky


Here it rains outside.
It's windy.
It's cold out here.
And here I can see
How much are you afraid of life.

And even when protected
I can see you slowly melting...
I see dissolving your skin, your colors streaming
The sky is crying ...
And reveals what does not fade with the rain.

His stone heart
Hardened by life
Insists remain so
To not get hurt
No more, no more...

But you do not know...
Inside he is still alive
And these tears
That flow with your face
Didn't are tears from sky.

DJA_Lady


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A T...

A T...


Amoroso palor meu rosto inunda,
Mórbida languidez me banha os olhos,
Ardem sem sono as pálpebras doridas,
Convulsivo tremor meu corpo vibra:
Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejo
E nos meus sonhos desmaiando passa
A imagem voluptuosa da ventura...
Eu sinto-a de paixão encher a brisa,
Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,
E ela mesma suave descorando

Os alvacentos véus soltar do colo,
Cheirosas flores desparzir sorrindo
Da mágica cintura.
Sinto na fronte pétalas de flores.
Sinto-as nos lábios e de amor suspiro.
Mas flores e perfumes embriagam,
E no fogo da febre, e em meu delírio
Embebem na minh'alma enamorada
Delicioso veneno.

Estrela de mistério, em tua fronte
Os céus revela, e mostra-me na terra,
Como um anjo que dorme, a tua imagem
E teus encantos onde amor estende
Nessa morena e tez a cor de rosa.
Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!
O fogo de teus olhos me fascina,
O langor de teus olhos me enlanguesce,
Cada suspiro que te abala o seio
Vem no meu peito enlouquecer minh'alma!

Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
De quem morre por ti, e morre amando,
Dá a vida em teu alento à minha vida,
Une nos lábios meus minh'alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
Na tua alma infantil; na tua fronte
Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros
Sentir as virações do paraíso;
E a teus pés, de joelhos, crer ainda
Que não mente o amor que um anjo inspira,
Que eu posso na tua alma ser ditoso,
Beijar-te nos cabelos soluçando
E no teu seio ser feliz morrendo!

Dezembro, 1851.

Álvares de Azevedo


terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Versos - DJA_Lady

"There are times that insist on not leaving our mind." ¹

DJA_Lady

¹ "Há momentos que insistem em não sair da nossa mente."




Versos - Ch. Dovalle


"C'est alors que ma voix
Murmure un nom tout bas... c'est alors que le vois
M'apparaître à demi, jeune, voluptueuse,
Sur ma couche penchée une femme amoureuse!

Oh! toi que j'ai rêvée, 
Femme à mes longs baisers si souvent enlevée,
Ne viendras-tu jamais?" ¹


Ch. Dovalle


¹ "É neste instante que a minha voz
murmura bem baixo um nome... É neste instante que eu vejo
aparecer diante de mim, jovem, voluptuosa,
sobre o meu leito inclinada uma mulher amorosa!

Oh! tu que eu sonhei,
Mulher que meus beijos profundos frequentemente exaltaram,
tu não virás jamais?"




Versos - Dante

"Quanti dolci pensier, quanto disio."¹

Dante

¹ "Quantos doces pensamentos, quantos desejos."




Meu anjo atrevido

Meu anjo atrevido


Tu me envolve em teus braços
Teu corpo, tão próximo, parece estar em chamas dentro de mim
Não resisto, me entrego em teus abraços
Dançando neste sensual movimento
Dois corações, ora no ritmo da melodia que os acalenta,
Ora acelerados em um descompassado batimento

Enlouquecendo a cada movimento
Me embriago ao sentir teu cheiro
Teu olhar me faz queimar internamente
Tua boca, ah! tua boca...
Cada vez que tuas mãos me tocam
fazem meu corpo estremecer, minha pele arrepiar,
meu coração acelerar...

E nesse desejo que me consome, desperto em suspiros,
pensando em meu anjo atrevido
Oh, estrela da noite, veja minha agonia
Meu corpo e minh'alma suplicam
Ajude-me a reencontrar esse sonho


DJA_Lady



segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Versos - Victor hugo


"Quand la mort est si belle, 
Il est doux de mourir!" ¹


Victor Hugo

¹ "Quando a morte é tão bela,
é doce morrer!"




Versos - Byron

"Tis vain to struggle - let me perish young!" ¹

Byron

¹ "É inútil lutar - Deixem-me morrer moço!"



Versos - Alfred de Musset


" Un souvenir beureux est peut-être sur terre
Plus vrai que le bonheur!" ¹


Alfred de Musset


¹ "Uma lembrança feliz é talvez sobre a terra
mais verdadeira que a felicidade."




Versos - Propércio

"No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus"

"Propércio"





sábado, 24 de novembro de 2012

Cavador do infinito

Cavador do infinito


Com a lâmpada do Sonho desce aflito
e sobe aos mundos mais imponderáveis,
vai abafando as queixas implacáveis,
da alma o profundo e soluçado grito.
Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito
sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
o cavador do trágico Infinito.
E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
e o cavador se perde nas distâncias...
Alto levanta a lâmpada do Sonho,
e com seu vulto pálido e tristonho
cava os abismos das eternas ânsias!

Cruz e Sousa

Mocidade e Morte

Mocidade e Morte


Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh'alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
— Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh'alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas...

E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: — impossível!
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
Avante! — brada-me o talento n'alma

E o eco ao longe me repete — avante! —
o futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n'alma,
Um nome escrito no Panteon da história.

(...)

Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta —
Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.

(...)

E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita...
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo —
O vinho do viver ante mim passa...
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O 'stilete de Deus quebra-me a taça.

É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.

Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidadosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória — nada, por amor — a campa.

Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!...

Castro Alves





sábado, 10 de novembro de 2012

Amor e Medo

Amor e Medo


Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

Casimiro de Abreu




Versos - Bram Stoker


"O absinto é o afrodisíaco do ego. A fada que nele existe, quer sua alma." 

Bram Stoker



quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Biografia - Bram Stoker

Bram Stoker




Abraham "Bram" Stoker (Dublin, 8 de Novembro de 1847 — Londres, 20 de Abril de 1912) foi um escritor romancista, poeta e contista irlandês, mais conhecido pelo romance gótico Drácula, a principal obra no desenvolvimento do mito literário moderno do vampiro.

Terceiro filho de um total de sete irmãos sofreu nos primeiros anos de sua vida com uma saúde frágil. Neste período, Bram Stoker ouvia histórias de sua mãe e lia compulsivamente livros e contos de terror sobrenatural.

Com 15 anos de idade ingressou no Trinity College de sua cidade natal e, mesmo com a saúde vulnerável, dedicou-se com êxito às atividades esportivas. Imerso no ambiente acadêmico e intelectual, o jovem Stoker passou a integrar a chamada Sociedade Filosófica; onde teve a oportunidade de produzir um ensaio intitulado Sensationalism in Fiction and Society. Posteriormente, ainda ocupou a função de auditor da Sociedade Histórica e presidir a Sociedade Filosófica.

Em 1866, Stoker, passou a trabalhar no funcionalismo público no castelo de Dublin. Formou-se em matemática em 1870, mas, deu continuidade aos estudos diariamente por meio período. O interesse de Stoker pelo teatro levou-o a oferecer-se voluntariamente como crítico do jornal Dublin Evening Mail. Suas críticas inteligentes e embasadas elevaram seu nome junto aos meios sociais, artísticos e intelectuais da cidade. Passou a conviver com personalidades influentes chegando até mesmo a conhecer Oscar Wilde, Arthur Conan Doyle e William Butler Yeats.

Em 1873, foi convidado a assumir a editoração do jornal Irish Echo, trabalhando sem remuneração salarial por meio período. Porém o impresso não obteve sucesso e Stoker abandonou a atividade no ano seguinte.

A partir deste momento, passou a produzir seus primeiros contos e peças ficcionais que eram publicados em jornais da cidade. The Chain of Destiny foi seu primeiro trabalho na linha do terror sobrenatural, publicado em 1875 no periódico Shamrock.

No ano seguinte, o autor inglês Henry Irving assume a direção do Royal Lyceum Theatre, de Londres, e convida Stoker para ocupar a função de gerente. Neste mesmo período, Stoker casou-se com a atriz Florence Balcombe, cujo ex-pretendente foi Oscar Wilde. Ela optou pelo casamento com Stoker devido seu emprego e estabilidade junto ao governo. Em 31 de Dezembro de 1879 nasceu seu único filho, Irving Noel Thornley Stoker.

Em 1879 publicou The Duties of Clerks of Petty Sessions in Ireland; no mesmo ano nasce Noel, único filho do casal. Under the Sunset, uma coletânea de contos infantis, foi publicada em 1882. Neste momento, inicia-se a fase mais criativa e próspera da vida de Bram Stoker.

No final desta década, publicou seu primeiro romance: The People (1889). Nos anos seguintes, foram publicados ‘O Castelo da Serpente, The Watter’s Mou e Croken Sands e The Shoulder of Shasta.

Em maio de 1897, publicou a obra que incluiria seu nome definitivamente na literatura mundial: Dracula. O romance epistolar, permeado pelo horror tétrico e sobrenatural, aborda a trajetória do diabólico Conde Drácula, da Transilvânia à Inglaterra; pautado ainda por personagens célebres como Jonathan Harker e Abraham Van Helsing.

Alguns críticos o consideraram uma rara combinação de um tema lúgubre com uma trama bem construída. Entretanto, gerou opiniões contrárias em relação à abordagem e à temática tétrica. A inspiração para o enredo pode ter sido extraída de um sonho do autor no qual um vampiro emergia do túmulo. O interesse de Stoker pela biografia de Vlad Tepes contribuiu na elaboração do personagem principal.

Nos anos seguintes, Stoker deu continuidade as suas atividades literárias em ainda foram publicados Miss Betty (1898), Os sete dedos da morte (1903) e The Man (1904), entre outras que não obtiveram o mesmo sucesso de Dracula.

O Lyceum e seu acervo de adereços cênicos foram destruídos por um incêndio. O teatro, em condições precárias foi transferido à um sindicato; no entanto, encerrou suas atividades em 1902. A carreira e vida pessoal de Stoker entraram em decadência. Em 190 ele sofreu um derrame cerebral e contraiu a doença de Bright que afeta o funcionamento dos rins.

Sua saúde se deteriorou gradativamente. Em 1906, publica, em homenagem ao amigo e sócio, Personal Reminiscences of Henry Irving. Após três anos, é publicado O Caixão da Mulher-Vampiro e em 1911 seu último romance intitulado O Monstro Branco.

Em 20 de abril de 1912, em Londres, Abraham Stoker falece em sua casa na companhia de Florence. Foi cremado e suas cinzas estão numa urna no Crematório de Golders Green, Golders Green, em Londres, Inglaterra.

Após a morte do autor, sua mulher, que morreria apenas em 1937, herdou os direitos de publicação de Drácula e cedeu permissão para que o teatrólogo Hamilton Deane adaptasse o romance à peça teatral. Esta foi a primeira adaptação que a obra recebeu e contribuiu muito para sua popularização. Em 1922, Nosferatu, filme baseado no romance de Stoker, estreou nas telas do cinema sob direção do alemão Murnau.


terça-feira, 6 de novembro de 2012

sábado, 3 de novembro de 2012

Biografia - Junqueira Freire

Junqueira Freire






Luís José Junqueira Freire (Salvador, 31 de dezembro de 1832 — Salvador, 24 de junho de 1855) foi um poeta brasileiro.

Sua obra lírica divide-se em religiosa, amorosa, filosófica, popular (ou sertaneja) e alguma poesia social, de tom declamatório, precursora de Castro Alves.

Participou da segunda geração romântica.

Franklin Dória, que fundou a cadeira 25 da Academia Brasileira de Letras, escolheu Junqueira Freire como seu patrono.

Foi em Salvador onde estudou Humanidades e aos dezoito anos se tornou monge da ordem beneditina permanecendo na vida religiosa por cerca de quatro anos. A reclusão trouxe frustração e foi tema de suas poesias.

Junqueira Freire morreu aos vinte e três anos em consequência de problemas cardíacos. Durante sua vida esteve dividido entre a vida religiosa, espiritual e a sua falta de fé e vocação para a vida celibatária. Suas experiências foram retratadas em suas duas obras poéticas: Inspirações do claustro e Contradições poéticas. O autor optou pela vida monástica devido aos problemas de convívio familiar, e as suas poesias são marcadas por uma reveladora autobiografia.

Nos poemas ainda consta a crise moral da igreja do século XIX e os conflitos que o autor vivia em sua profissão. Junqueira Freire também expressou pessimismo com relação à vida, interesse por uma vida mundana, sexualidade reprimida, desejo por pecado e ainda um sentimento de culpa. Chegava desejar a morte, considerando-a uma amiga, que lhe traria possivelmente a paz eterna.


Obras

Inspirações do Claustro, 1855
Contradições poéticas
Tratado de eloqüência nacional
Ambrósio

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Biografia - Cruz e Sousa

Cruz e Sousa




João da Cruz e Sousa (Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), 24 de novembro de 1861 — Estação do Sítio, 19 de março de 1898) foi um poeta brasileiro.
Alcunhado Dante Negro e Cisne Negro, foi um dos precursores do simbolismo no Brasil.

Filho dos negros alforriados Guilherme da Cruz, e Carolina Eva da Conceição, João da Cruz desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de família, Sousa. A esposa do Marechal, Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, não tinha filhos, e passou a proteger e cuidar da educação de João. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais.

Em 1881, dirigiu o jornal Tribuna Popular, no qual combateu a escravidão e o preconceito racial. Em 1883, foi recusado como promotor de Laguna por ser negro. Em 1885 lançou o primeiro livro,Tropos e Fantasias em parceria com Virgílio Várzea. Cinco anos depois foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil, colaborando também com o jornal Folha Popular. Em fevereiro de 1893, publica Missal (prosa poética baudelairiana) e em agosto,a poesia Broquéis, dando início ao Simbolismo no Brasil que se estende até 1922. Em novembro desse mesmo ano casou-se com Gavita Gonçalves, também negra, com quem teve quatro filhos, todos mortos prematuramente por tuberculose.

Faleceu a 19 de março de 1898 no município mineiro de Antônio Carlos, num povoado chamado Estação do Sítio, para onde fora transportado às pressas vencido pela tuberculose. Teve o seu corpo transportado para o Rio de Janeiro em um vagão destinado ao transporte de cavalos. Foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier por seus amigos, onde permaneceu até 2007, quando seus restos mortais foram acolhidos no Museu Histórico de Santa Catarina - Palácio Cruz e Sousa, no centro de Florianópolis.
Cruz e Sousa é um dos patronos da Academia Catarinense de Letras, representando a cadeira número 15.

Mesmo tendo sido filho de escravos e recebido a alcunha de "Cisne Negro", o poeta não conseguiu escapar das acusações de indiferença pela causa abolicionista, e foi acusado de ter-se omitido quanto às questões referentes à condição negra. Apesar de a poesia social não fazer parte do projeto poético do Simbolismo, o autor, em alguns poemas, retratou metaforicamente a condição do escravo. Cruz e Sousa militou, sim, contra a escravidão. Tanto da forma mais corriqueira, fundando jornais e proferindo palestras por exemplo, participando, curiosamente, da campanha antiescravagista promovida pela sociedade carnavalesca Diabo a quatro, quanto nos seus textos abolicionistas, demonstrando desgosto com a condução do movimento pela família imperial.

Quando Cruz e Sousa se refere à “brancura”, é importante recorrer ao diversos significados da palavra, além da cor em si.

Obra:

Seus poemas são marcados por musicalidade (uso constante de aliterações), individualismo, sensualismo, às vezes por desespero, às vezes por apaziguamento, além de uma obsessão pela cor branca. Encontram-se inúmeras referências à cor branca, assim como à transparência, à translucidez, à nebulosidade e aos brilhos, e a muitas outras cores, sempre presentes em seus versos.
No aspecto de influências do simbolismo, nota-se uma amálgama que conflui águas do satanismo de Baudelaire ao espiritualismo (e dentro desse, ideias budistas e espíritas) ligados tanto a tendências estéticas vigentes como a fases na vida do autor.

Broquéis (1893, poesía)
Missal (1893, poemas en prosa)
Tropos e Fantasias (1885, poemas en prosa, junto a Virgílio Várzea)

Obra póstuma:
Últimos Sonetos (1905)
Evocações (1898, poemas em prosa)
Faróis (1900, poesía)
Outras evocações (1961, poema em prosa)
O livro Derradeiro (1961, poesía)
Dispersos (1961, poemas em prosa)


Biografia - Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo





Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de abril de 1852) foi um escritor da segunda geração romântica, contista, dramaturgo, poeta e ensaísta brasileiro.

Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo, em 1847, para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde, desde logo, ganhou fama por brilhantes e precoces produções literárias. Destacou-se pela facilidade de aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.
Durante o curso de Direito traduziu o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduziu Parisina, de Lord Byron; fundou a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849); fez parte da Sociedade Epicureia; e iniciou o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos.
Não concluiu o curso, pois foi acometido de uma tuberculose pulmonar nas férias de 1851-52, a qual foi agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, falecendo aos 21 anos.

Obra:
A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla) e Lira dos vinte anos

Suas principais influências são: Lord Byron, Goethe, François-René de Chateaubriand, mas principalmente Alfred de Musset.

Figura na antologia do cancioneiro nacional. Foi muito lido até as duas primeiras décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As últimas encenações de seu drama Macário foram em 1994 e 2001. É patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras.

Devido a sua morte prematura, todos os trabalhos de Álvares de Azevedo foram publicados postumamente.
Lira dos Vinte Anos (1853, antologia poética);
Macário (1855, peça de teatro);
Noite na Taverna (1855, contos);
O Conde Lopo (1886, poema épico que resta apenas em fragmentos hoje);

Álvares de Azevedo também escreveu muitas cartas e ensaios e traduziu para o português o poema Parisina, de Lorde Byron, e o quinto ato de Otelo, de William Shakespeare.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O poço e o pêndulo

O poço e o pêndulo

Edgar Allan Poe


Impia tortorum longos hic turba furores
Sanguinis innocui, non satiata, aluit.
Sospite nunc patria, fracto nunc funeris antro,
Mors ubi dira fuit vita salusque patent. ¹



Estava exausto, mortalmente exausto com aquela longa agonia e, quando por fim me desamarraram e pude sentar-me, senti que perdia os sentidos. A sentença - a terrível sentença de morte - foi a última frase que chegou, claramente, aos meus ouvidos. Depois, o som das vozes dos inquisidores pareceu apagar-se naquele zumbido indefinido de sonho. O ruído despertava em minha alma a ideia de rotação, talvez devido à sua associação, em minha mente, com o ruído característico de uma roda de moinho. Mas isso durou pouco, pois, logo depois, nada mais ouvi. Não obstante, durante alguns momentos, pude ver, mas com que terrível exagero! Via os lábios dos juízes vestidos de preto. Pareciam-me brancos, mais brancos do que a folha de papel em que traço estas palavras, e grotescamente finos - finos pela intensidade de sua expressão de firmeza, pela sua inflexível resolução, pelo severo desprezo ao sofrimento humano. Via que os decretos daquilo que para mim representava o destino saíam ainda daqueles lábios. Vi-os contorcerem-se numa frase mortal; vi-os pronunciarem as sílabas de meu nome - e estremeci, pois nenhum som lhes acompanhava os movimentos. Vi, também, durante alguns momentos de delírio e terror, a suave e quase imperceptível ondulação das negras tapeçarias que cobriam as paredes da sala, e o meu olhar caiu então sobre as sete grandes velas que estavam em cima da mesa. A princípio, tiveram para mim o aspecto de uma claridade, e pareceram-me anjos brancos e esguios que deveriam salvar-me. Mas, de repente, uma náusea mortal invadiu-me a alma, e senti que cada fibra de meu corpo estremecia como se houvesse tocado os fios de uma bateria galvânica. As formas angélicas se converteram em inexpressivos espectros com cabeças de chama, e vi que não poderia esperar delas auxílio algum. Então, como magnífica nota musical, insinuou-se em minha imaginação a idéia do doce repouso que me aguardava no túmulo. Chegou suave, furtivamente - e penso que precisei de muito tempo para apreciá-la devidamente. Mas, no instante preciso em que meu espírito começava a sentir e alimentar essa idéia, as figuras dos juízes se dissiparam, como por arte de mágica, ante os meus olhos. As grandes velas reduziram-se a nada; suas chamas se apagaram por completo e sobreveio o negror das trevas; todas as sensações pareceram desaparecer como numa queda louca da alma até o Hades. E o universo transformou-se em noite, silêncio, imobilidade.

Eu desmaiara; mas, não obstante, não posso dizer que houvesse perdido de todo a consciência. Não procurarei definir, nem descrever sequer, o que dela me restava. Nem tudo, porém, estava perdido. Em meio do mais profundo sono... não! Em meio do delírio... não! Em meio do desfalecimento. . . não! Em meio da morte... não! Nem mesmo na morte tudo está perdido. Do contrário, não haveria imortalidade para o homem. Quando despertamos do mais profundo sono, desfazemos as teias de aranha de algum sonho. E, não obstante, um segundo depois não nos lembramos de haver sonhado, por mais delicada que tenha sido a teia. Na volta a vida, depois do desmaio, há duas fases: o sentimento da existência moral ou espiritual e o da existência física. Parece provável que, se ao chegar à segunda fase tivéssemos de evocar as impressões da primeira, tornaríamos a encontrar todas as lembranças eloqüentes do abismo do outro mundo. E qual é esse abismo? Como, ao menos, poderemos distinguir suas sombras das do túmulo?

Mas, se as impressões do que chamamos primeira fase não nos acodem de novo ao chamado da vontade, acaso não nos aparecem depois de longo intervalo, sem ser solicitadas, enquanto, maravilhados, perguntamos a nós mesmos de onde provêm? Quem nunca perdeu os sentidos não descobrirá jamais estranhos palácios e rostos singularmente familiares entre as chamas ardentes; não contemplará, flutuante no ar, as melancólicas visões que muitos talvez jamais contemplem; não meditará nunca sobre o perfume de alguma flor desconhecida, nem mergulhará no mistério de alguma melodia que jamais lhe chamou antes a atenção.

Em meio de meus freqüentes e profundos esforços para recordar, em meio de minha luta tenaz para apreender algum vestígio desse estado de vácuo aparente em que minha alma mergulhara, houve breves, brevíssimos instantes em que julguei triunfar, momentos fugidios em que cheguei a reunir lembranças que, em ocasiões posteriores, meu raciocínio, lúcido, me afirmou não poderem referir-se senão a esse estado em que a consciência parece aniquilada. Essas sombras de lembranças apresentavam, indistintamente, grandes figuras que me carregavam, transportando-me, silenciosamente, para baixo... para baixo... ainda mais para baixo... até que uma vertigem horrível me oprimia, ante a idéia de que não tinha mais fim tal descida. Também me lembro de que despertavam um vago horror no fundo de meu coração, devido precisamente à tranqüilidade sobrenatural desse mesmo coração. Depois, o sentimento de uma súbita imobilidade em tudo o que me cercava, como se aqueles que me carregavam (espantosa comitiva!) ultrapassassem, em sua descida, os limites do ilimitado, e fizessem uma pausa, vencidos pelo cansaço de seu esforço. Depois disso, lembro-me de uma sensação de monotonia e de umidade. Depois, tudo é loucura - a loucura da memória que se agita entre coisas proibidas.
Súbito, voltam à minha alma o movimento e o som - o movimento tumultuoso do coração e, em meus ouvidos, o som de suas batidas. Em seguida, uma pausa, em que tudo é vazio. Depois, de novo, o som, o movimento e o tato, como uma sensação vibrante que penetra em meu ser. Logo após, a simples consciência da minha existência, sem pensamento - estado que durou muito tempo. Depois, de maneira extremamente súbita, o pensamento, e um trêmulo terror - o esforço enorme para compreender o meu verdadeiro estado. Logo após, vivo desejo de mergulhar na insensibilidade. Depois, um brusco renascer da alma e um esforço bem sucedido para mover-me. E, então, a lembrança completa do que acontecera, dos juízes, das tapeçarias negras, da sentença, da fraqueza, do desmaio. Esquecimento completo de tudo o que acontecera - e que somente mais tarde, graças aos mais vivos esforços, consegui recordar vagamente.

Até então, não abrira ainda os olhos. Sentia que me achava deitado de costas, sem que estivesse atado. Estendi a mão e ela caiu pesadamente sobre alguma coisa úmida e dura. Deixei que ela lá ficasse durante muitos minutos, enquanto me esforçava por imaginar onde é que eu estava e o que é que poderia ter acontecido comigo. Desejava, mas não me atrevia a fazer uso dos olhos. Receava o primeiro olhar sobre as coisas que me cercavam. Não que me aterrorizasse contemplar coisas terríveis, mas tinha medo de que não houvesse nada para ver. Por fim, experimentando horrível desespero em meu coração, abri rapidamente os olhos. Meus piores pensamentos foram, então, confirmados. Envolviam-me as trevas da noite eterna. Esforcei-me por respirar. A intensidade da escuridão parecia oprimir-me, asfixiar-me. O ar era intoleravelmente pesado. Continuei ainda imóvel, e esforcei-me por fazer uso da razão. Lembrei-me dos procedimentos inquisitoriais e, partindo daí, procurei deduzir qual a minha situação real.

A sentença fora proferida, e parecia-me que, desde então, transcorrera longo espaço de tempo. Não obstante, não imaginei um momento sequer que estivesse realmente morto. Tal suposição, pese o que lemos nos livros de ficção, é absolutamente incompatível com a existência real. Mas onde me encontrava e qual era o meu estado? Sabia que os condenados à morte pereciam, com freqüência, nos autos-de-fé - e um desses autos havia-se realizado na noite do dia em que eu fora julgado. Teria eu permanecido em meu calabouço, à espera do sacrifício seguinte, que não se realizaria senão dentro de muitos meses? Vi, imediatamente, que isso não poderia ser. As vítimas eram exigidas sem cessar. Além disso, meu calabouço, bem como as celas de todos os condenados, em Toledo, tinha piso de pedra e a luz não era inteiramente excluída.

De repente, uma idéia terrível acelerou violentamente o sangue em meu coração e, durante breve espaço, mergulhei de novo na insensibilidade. Ao recobrar os sentidos, pus-me logo de pé, a tremer convulsivamente. Alucinado, estendi os braços para o alto e em torno de mim, em todas as direções. Não senti nada. Não obstante, receava dar um passo, com medo de ver os meus movimentos impedidos pelos muros de um túmulo. O suor brotava-me de todos os poros e grossas gotas frias me salpicavam a testa. A angústia da incerteza tornou-se, por fim, insuportável e avancei com cautela, os braços estendidos, os olhos a saltar-me das órbitas, na esperança de descobrir algum tênue raio de luz. Dei muitos passos, mas, não obstante, tudo era treva e vácuo. Sentia a respiração mais livre. Parecia-me evidente que o meu destino não era, afinal de contas, o mais espantoso de todos.

Continuei a avançar cautelosamente e, enquanto isso, me vieram à memória mil vagos rumores dos horrores de Toledo. Sobre calabouços, contavam-se coisas estranhas - fábulas, como eu sempre as considerara; coisas, contudo, estranhas, e demasiado horríveis para que a gente as narrasse a não ser num sussurro. Acaso fora eu ali deixado para morrer de fome naquele subterrâneo mundo de trevas, ou quem sabe um destino ainda mais terrível me aguardava? Conhecia demasiado bem o caráter de meus juízes para duvidar de que o resultado de tudo aquilo seria a morte, e uma morte mais amarga do que a habitual. Como seria ela e a hora de sua execução eram os únicos pensamentos que me ocupavam o espírito, causando-me angústia.

Minhas mãos estendidas encontraram, afinal, um obstáculo sólido. Era uma parede que parecia de pedra, muito lisa, úmida e fria. Segui junto a ela, caminhando com a cautelosa desconfiança que certas narrações antigas me haviam inspirado. Porém, essa operação não me proporcionava meio algum de averiguar as dimensões de meu calabouço; podia dar a volta e tornar ao ponto de partida sem perceber exatamente o lugar em que me encontrava, pois a parede me parecia perfeitamente uniforme. Por isso, procurei um canivete que tinha num dos bolsos quando fui levado ao tribunal, mas havia desaparecido. Minhas roupas tinham sido substituídas por uma vestimenta de sarja grosseira. A fim de identificar o ponto de partida, pensara em enfiar a lâmina em alguma minúscula fenda da parede. A dificuldade, apesar de tudo, não era insuperável, embora, em meio à desordem de meus pensamentos, me parecesse, a princípio, uma coisa insuperável. Rasguei uma tira da barra de minha roupa e coloquei-a ao comprido no chão. formando um ângulo reto com a parede. Percorrendo as palpadelas o caminho em torno de meu calabouço, ao terminar o circuito teria de encontrar o pedaço de fazenda. Foi, pelo menos, o que pensei; mas não levara em conta as dimensões do calabouço, nem a minha fraqueza. O chão era úmido e escorregadio. Cambaleante, dei alguns passos, quando, de repente, tropecei e caí. Meu grande cansaço fez com que permanecesse caído e, naquela posição, o sono não tardou em apoderar-se de mim.

Ao acordar e estender o braço, encontrei ao meu lado um pedaço de pão e um púcaro com água. Estava demasiado exausto para pensar em tais circunstâncias, e bebi e comi avidamente. Pouco depois, reiniciei minha viagem em torno do calabouço e, com muito esforço, consegui chegar ao pedaço de sarja. Até o momento em que caí, já havia contado cinqüenta e dois passos e, ao recomeçar a andar até chegar ao pedaço de pano, mais quarenta e oito. Portanto, havia ao todo cem passos e, supondo que dois deles fossem uma jarda, calculei em cerca de cinqüenta jardas a circunferência de meu calabouço. No entanto, deparara com numerosos ângulos na parede, e isso me impedia de conjeturar qual a forma da caverna, pois não havia dúvida alguma de que se tratava de uma caverna.

Tais pesquisas não tinham objetivo algum e, certamente, eu não alimentava nenhuma esperança; mas uma vaga curiosidade me Ievava a continuá-las. Deixando a parede, resolvi atravessar a área de minha prisão. A princípio, procedi com extrema cautela, pois o chão, embora aparentemente revestido de material sólido, era traiçoeiro, devido ao limo. Por fim, ganhei coragem e não hesitei em pisar com firmeza, procurando seguir em linha tão reta quanto possível. Avancei, dessa maneira, uns dez ou doze passos, quando o que restava da barra de minhas vestes se emaranhou em minhas pernas. Pisei num pedaço da fazenda e caí violentamente de bruços.

Na confusão causada pela minha queda, não reparei imediatamente numa circunstância um tanto surpreendente, a qual, no entanto, decorridos alguns instantes, enquanto me encontrava ainda estirado, me chamou a atenção. Era que o meu queixo estava apoiado sobre o chão da prisão, mas os meus lábios e a parte superior de minha cabeça, embora me parecessem colocados numa posição menos elevada do que o queixo, não tocavam em nada. Por outro lado, minha testa parecia banhada por um vapor pegajoso, e um cheiro característico de cogumelos em decomposição me chegou às narinas. Estendi o braço para a frente e tive um estremecimento, ao verificar que caíra bem junto às bordas de um poço circular cuja circunferência, naturalmente, não me era possível verificar no momento. Apalpando os tijolos, pouco abaixo da boca do poço, consegui deslocar um pequeno fragmento e deixei-o cair no abismo. Durante alguns segundos, fiquei atento aos seus ruídos, enquanto, na queda, batia de encontro às paredes do poço; por fim, ouvi um mergulho surdo na água, seguido de ecos fortes. No mesmo momento, ouvi um som que se assemelhava a um abrir e fechar de porta. acima de minha cabeça, enquanto um débil raio de luz irrompeu subitamente através da escuridão e se extinguiu de pronto.

Percebi claramente a armadilha que me estava preparada, e congratulei-me comigo mesmo pelo oportuno acidente que me fizera escapar de tal destino. Outro passo antes de minha queda, e o mundo jamais me veria de novo. E a morte de que escapara por pouco era daquelas que eu sempre considerara como fabulosas e frívolas nas narrações que diziam respeito à Inquisição. Para as vítimas de sua tirania, havia a escolha entre a morte com as suas angústias físicas imediatas e a morte com os seus espantosos horrores morais. Eu estava destinado a esta última. Devido aos longos sofrimentos, meus nervos estavam à flor da pele, a ponto de tremer ao som de minha própria voz, de modo que era, sob todos os aspectos, uma vítima adequada para a espécie de tortura que me aguardava.

Tremendo dos pés à cabeça, voltei, às apalpadelas, até a parede, resolvido antes a ali perecer do que a arrostar os terrores dos poços, que a minha imaginação agora pintava em vários lugares do calabouço. Em outras condições de espírito, poderia ter tido a coragem de acabar de vez com a minha miséria, mergulhando num daqueles poços; mas eu era, então, o maior dos covardes. Tampouco podia esquecer o que lera a respeito daqueles poços: que a súbita extinção da vida não fazia parte dos planos de meus algozes.

A agitação em que se debatia o meu espírito fez-me permanecer acordado durante longas horas; contudo, acabei por adormecer de novo. Ao acordar, encontrei ao meu lado, como antes, um pão e um púcaro com água. Consumia-me uma sede abrasadora, e esvaziei o recipiente de um gole só. A água devia conter alguma droga, pois, mal acabara de beber, tornei-me irresistivelmente sonolento. Invadiu-me profundo sono - um sono como o da morte. Quanto tempo aquilo durou, certamente, não posso dizer; mas, quando tornei a abrir os olhos, os objetos em torno eram visíveis. Um forte clarão cor de enxofre, cuja origem não pude a princípio determinar, permitia-me ver a extensão e o aspecto da prisão.

Quanto ao seu tamanho, enganara-me completamente. A extensão das paredes, em toda a sua volta, não passava de vinte e cinco jardas. Durante alguns minutos, tal fato me causou um mundo de preocupações inúteis. Inúteis, de fato, pois o que poderia ser menos importante, nas circunstâncias em que me encontrava, do que as simples dimensões de minha cela? Mas minha alma se interessava vivamente por coisas insignificantes, e eu me empenhava em explicar a mim mesmo o erro cometido em meus cálculos. Por fim, a verdade fez-se-me subitamente clara. Em minha primeira tentativa de exploração, eu contara cinqüenta e dois passos até o momento em que caí; devia estar, então, a um ou dois passos do pedaço de sarja; na verdade, havia quase completado toda a volta do calabouço. Nessa altura, adormeci e, ao despertar, devo ter voltado sobre meus próprios passos - supondo, assim, que o circuito do calabouço era quase o dobro do que realmente era. A confusão de espírito em que me encontrava impediu-me de notar que começara a volta seguindo a parede pela esquerda, e que a terminara seguindo-a para a direita.

Enganara-me, também, quanto ao formato da cela. Ao seguir o meu caminho, deparara com muitos ângulos, o que me deu idéia de grande irregularidade, tão poderoso é o efeito da escuridão total sobre alguém que desperta do sono ou de um estado de torpor! Os ângulos não passavam de umas poucas reentrâncias, ou nichos, situadas em intervalos iguais. A forma geral da prisão era retangular. O que me parecera alvenaria, parecia-me, agora, ferro, ou algum outro metal, disposto em enormes pranchas, cujas suturas ou juntas produziam as depressões. Toda a superfície daquela construção metálica era revestida grosseiramente de vários emblemas horrorosos e repulsivos nascidos das superstições sepulcrais dos monges. Figuras de demônios de aspectos ameaçadores, com formas de esqueleto, bem como outras imagens ainda mais terríveis, enchiam e desfiguravam as paredes. Observei que os contornos de tais monstruosidades eram bastante nítidos, mas que as cores pareciam desbotadas e apagadas, como por efeito da umidade. Notei, então, que o piso era de pedra. Ao centro, abria-se o poço circular de cujas fauces eu escapara - mas era o único existente no calabouço.

Vi tudo isso confusamente e com muito esforço, pois minha condição física mudara bastante durante o sono. Estava agora estendido de costas numa espécie de andaime de madeira muito baixo, ao qual me achava fortemente atado por uma longa tira de couro. Esta dava muitas voltas em torno de meus membros e de meu corpo, deixando apenas livre a minha cabeça e o meu braço esquerdo, de modo a permitir que eu, com muito esforço, me servisse do aumento que se achava sobre um prato de barro, colocado no chão. Vi, horrorizado, que o púcaro havia sido retirado, pois uma sede intolerável me consumia. Pareceu-me que a intenção de meus verdugos era exasperar essa sede, já que o alimento que o prato continha consistia de carne muita salgada.

Levantei os olhos e examinei o teto de minha prisão. Tinha de nove a doze metros de altura e o material de sua construção assemelhava-se ao das paredes laterais. Chamou-me a atenção uma de suas figuras, bastante singular. Era a figura do Tempo, tal como é comumente representado, salvo que, em lugar da foice, segurava algo que me pareceu ser, ao primeiro olhar, um imenso pêndulo, como esses que vemos nos relógios antigos. Havia alguma coisa, porém, na aparência desse objeto, que me fez olhá-lo com mais atenção.

Enquanto a observava diretamente, olhando para cima, pois se achava colocada exatamente sobre minha cabeça, tive a impressão de que o pêndulo se movia. Um instante depois, vi que minha impressão se confirmava. Seu oscilar era curto e, por conseguinte, lento. Observei-o, durante alguns minutos, com certo receio, mas, principalmente, com espanto. Cansado, por fim, de observar o seu monótono movimento, voltei o olhar para outros objetos existentes na cela.

Um ligeiro ruído atraiu-me a atenção e, olhando para o chão, vi que enormes ratos o atravessavam. Tinham saído do poço, que ficava a direita bem diante de meus olhos. Enquanto os olhava, saíam do poço em grande número, apressadamente, com olhos vorazes, atraídos pelo cheiro da carne. Foi preciso muito esforço e atenção de minha parte para afugentá-los.

Talvez houvesse transcorrido meia hora, ou mesmo uma hora - pois não me era possível perceber bem a passagem do tempo -, quando levantei de novo os olhos para o teto. O que então vi me deixou atônito, perplexo. O oscilar do pêndulo havia aumentado muito, chegando quase a uma jarda. Como conseqüência natural, sua velocidade era também muito maior. Mas o que me perturbou, principalmente, foi a ideia de que havia, imperceptivelmente, descido. Observei, então - tomado de um horror que bem se pode imaginar -, que a sua extremidade inferior era formada de uma lua crescente feita de aço brilhante, de cerca de um pé de comprimento de ponta a ponta. As pontas estavam voltadas para cima e o fio inferior era, evidentemente, afiado como uma navalha. Também como uma navalha, parecia pesada e maciça, alargando-se, desde o fio, numa estrutura larga e sólida. Presa a cela havia um grosso cano de cobre, e tudo isso assobiava, ao mover-se no ar.

Já não me era possível alimentar qualquer dúvida quanto à sorte que me reservara o terrível engenho monacal de torturas. Os agentes da Inquisição tinham conhecimento de que eu descobrira o poço - o poço cujos horrores haviam sido destinados a um herege tão temerário quanto eu -, o poço, imagem do inferno, considerado como a Última Tule de todos os seus castigos. Um simples acaso me impedira de cair no poço, e eu sabia que a surpresa, ou uma armadilha que levasse ao suplício constituíam uma parte importante de tudo o que havia de grotesco naqueles calabouços de morte. Ao que parecia, tendo fracassado a minha queda no poço, não fazia parte do plano demoníaco o meu lançamento no abismo e, assim, não havendo outra alternativa, aguardava-me uma forma mais suave de destruição. Mais suave! Em minha angústia, esbocei um sorriso ao pensar no emprego dessas palavras.

Para que falar das longas, longas horas de horror mais do que mortal, durante as quais contei as rápidas oscilações do aço? Polegada a polegada, linha a linha, descia aos poucos, de um modo só perceptível a intervalos que para mim pareciam séculos. E cada vez descia mais, descia mais!...

Passaram-se dias, talvez muitos dias, antes que chegasse a oscilar tão perto de mim a ponto de me ser possível sentir o ar acre que deslocava. Penetrava-me as narinas o cheiro do aço afiado. Rezei - cansando o céu com as minhas preces - para que a sua descida fosse mais rápida. Tomado de frenética loucura, esforcei-me para erguer o corpo e ir ao encontro daquela espantosa e oscilante cimitarra. Depois, de repente, apoderou-se de mim uma grande calma e permaneci sorrindo diante daquela morte cintilante, como uma criança diante de um brinquedo raro.

Seguiu-se outro intervalo de completa insensibilidade - um intervalo muito curto, pois, ao voltar de novo à vida, não me pareceu que o pêndulo houvesse descido de maneira perceptível. Mas é possível que haja decorrido muito tempo; sabia que existiam seres infernais que tomavam nota de meus desfalecimentos e podiam deter, à vontade, o movimento do pêndulo. Ao voltar a mim, senti um mal-estar é uma fraqueza indescritíveis, como se estivesse a morrer de inanição. Mesmo entre todas as angústias pelas quais estava passando, a natureza humana ansiava por alimento. Com penoso esforço, estendi o braço esquerdo tanto quanto me permitiam as ataduras e apanhei um resto de comida que conseguira evitar que os ratos comessem. Ao levar um bocado à boca, passou-me pelo espírito um vago pensamento de alegria... de esperança. Não obstante, que é que tinha com a ver com a esperança? Era, como digo, um pensamento vago - desses que ocorrem a todos com freqüência, mas que não se completam. Mas senti que era de alegria, de esperança. Como senti, também, que se extinguira antes de formar-se. Esforcei-me em vão por completá-lo... por reconquistá-lo. Meus longos sofrimentos haviam quase aniquilado todas as faculdades de meu espírito. Eu era um imbecil, um idiota.

A oscilação do pêndulo se processava num plano que tomava um ângulo reto com o meu corpo. Vi que a lâmina fora colocada de modo a atravessar-me a região do coração. Rasgaria a minha roupa, voltaria e repetiria a operação... de novo, de novo. Apesar da grande extensão do espaço percorrido - uns trinta pés, mais ou menos - e da sibilante energia de sua oscilação, suficiente para partir ao meio aquelas próprias paredes de ferro, tudo o que podia fazer, durante vários minutos, seria apenas rasgar as minhas roupas. E, ao pensar nisso, detive-me. Não ousava ir além de tal reflexão. Insisti sobre ela com toda atenção, como se com essa insistência pudesse parar ali a descida da lâmina. Comecei a pensar no som que produziria ao passar pelas minhas roupas, bem como na estranha e arrepiante sensação que o rasgar de uma fazenda produz sobre os nervos. Pensei em todas essas coisas fazendo os dentes rangerem, de tão contraídos.

Descia... cada vez descia mais a lâmina. Sentia um prazer frenético ao comparar sua velocidade de cima a baixo com a sua velocidade lateral. Para a direita... para a esquerda... num amplo oscilar... com o grito agudo de uma alma penada; para o meu coração, com o passo furtivo de um tigre! Eu ora ria, ora uivava, quando esta ou aquela idéia se tornava predominante.

Sempre para baixo... certa e inevitavelmente! Movia-se, agora, a três polegadas do meu peito! Eu lutava violentamente, furiosamente para livrar o braço esquerdo. Este estava livre apenas desde o cotovelo até a mão. Podia mover a mão, com grande esforço, apenas do prato, que haviam colocado ao meu lado, até a boca. Nada mais. Se houvesse podido romper as ligaduras acima do cotovelo, teria apanhado o pêndulo e tentado detê-lo. Mas isso seria o mesmo que tentar deter uma avalanche!
Sempre mais baixo, incessantemente, inevitavelmente mais baixo! Arquejava e me debatia a cada vibração. Encolhia-me convulsivamente a cada oscilação. Meus olhos seguiam as subidas e descidas da lâmina com a ansiedade do mais completo desespero; fechavam-se espasmodicamente a cada descida, como se a morte houvesse sido um alívio... oh, que alívio indizível! Não obstante, todos os meus nervos tremiam à idéia de que bastaria que a máquina descesse um pouco mais para que aquele machado afiado e reluzente se precipitasse sobre o meu peito. Era a esperança que fazia com que meus nervos estremecessem, com que todo o meu corpo se encolhesse. Era a esperança - a esperança que triunfa mesmo sobre o suplício -, a que sussurrava aos ouvidos dos condenados à morte, mesmo nos calabouços da Inquisição.

Vi que mais umas dez ou doze oscilações poriam o aço em contato imediato com as minhas roupas e, com essa observação, invadiu-me o espírito toda a calma condensada e viva do desespero. Pela primeira vez durante muitas horas - ou, talvez dias - consegui pensar. Ocorreu-me, então, que a tira ou correia que me envolvia o corpo era inteiriça. Não estava amarrada por meio de cordas isoladas.

O primeiro golpe da lâmina em forma. de meia lua sobre qualquer lugar da correia a desataria, de modo a permitir que minha mão a desenrolasse de meu corpo. Mas como era terrível, nesse caso, a sua proximidade. O resultado do mais leve movimento, de minha parte, seria mortal! Por outro lado, acaso os sequazes do verdugo não teriam previsto e impedido tal possibilidade? E seria provável que a correia que me atava atravessasse o meu peito justamente no lugar em. que o pêndulo passaria? Temendo ver frustrada essa minha fraca e, ao que parecia, última esperança, levantei a cabeça o bastante par ver bem o meu peito. A correia, envolvia-me os membros e o corpo fortemente em todas as direções, menos no lugar em que deveria passar a lâmina assassina.

Mal deixei cair a cabeça em sua posição anterior, quando senti brilhar em meu espírito algo que só poderia descrever proximadamente, dizendo que era como que a metade não formada da idéia de liberdade a que aludi anteriormente, e da qual apenas uma parte flutuou vagamente em meu espírito quando levei o alimento aos meus lábios febris. Agora, todo o pensamento estava ali presente - débil, quase insensato, quase indefinido -, mas, de qualquer maneira, completo. Procurei imediatamente, com toda a energia nervosa do desespero, pô-lo em execução.

Havia várias horas, um número enorme de ratos se agitava junto do catre em que me achava estendido. Eram temerários, ousados, vorazes; fitavam sobre mim os olhos vermelhos, como se esperassem apenas minha imobilidade para fazer-me sua presa. "A que espécie de alimento", pensei, "estão eles habituados no poço?" Haviam devorado, apesar de todos os meus esforços para o impedir, quase tudo o alimento que se encontrava no prato, salvo uma pequena parte. Minha mão se acostumara a um movimento oscilatório sobre o prato e, no fim, a uniformidade inconsciente de tal movimento deixou de produzir efeito. Em sua veracidade, cravavam freqüentemente em meus dedos os dentes agudos. Com o resto da carne oleosa e picante que ainda sobrava esfreguei fortemente, até o ponto em que podia alcançá-la, a correia com que me haviam atado. Depois, erguendo a mão do chão, permaneci imóvel, quase sem respirar.

A princípio, os vorazes animais ficaram surpresos e aterrorizados com a mudança verificada - com a cessação de qualquer movimento. Mas isso apenas durante um momento. Não fora em vão que eu contara com a sua voracidade. Vendo que eu permanecia imóvel, dois ou três dos mais ousados soltaram sobre o catre e puseram-se a cheirar a correia. Dir-se-ia que isso foi o sinal para a investida geral. Vindos da parede, arremeteram em novos bandos. Agarraram-se ao estrado, galgaram-no e pularam as centenas sobre o meu corpo. O movimento rítmico do pêndulo não os perturbava de maneira alguma. Evitando seus golpes, atiraram-se à correia besuntada. Apertavam-se, amontoavam-se sobre mim. Contorciam-se sobre meu pescoço; seus focinhos, frios procuravam meus lábios. Sentia-me quase sufocado sob o seu peso. Um asco espantoso, para o qual não existe nome, enchia-me o peito e gelava-me, com pegajosa umidade, o coração. Mais um minuto, e percebia que a operação estaria terminada. Sentia claramente que a correia afrouxava. Sabia que, em mais de um lugar, já devia estar completamente partida. Com uma determinação sobre-humana continuei imóvel.

Não errei em meus cálculos; todos esses sofrimentos não foram em vão. Senti, afinal, que estava livre. A correia pendia, em pedaços, de meu corpo. Mas o movimento do pêndulo já se realizava sobre o meu peito. Tanto a sarja da minha roupa, como a camisa que vestia já haviam sido cortadas. O pêndulo oscilou ainda por duas vezes, e uma dor aguda me penetrou todos os nervos. Mas chegara o momento da salvação. A um gesto de minha mão, meus libertadores fugiram tumultuosamente. Com um movimento decidido, mas cauteloso, deslizei encolhido, lentamente, para o lado, livrando-me das correias e da lâmina da cimitarra. Pelo menos naquele momento, estava livre.

Livre! E nas garras da Inquisição! Mal havia escapado daquele meu leito de horror e dado uns passos pelo piso de pedra da prisão, quando cessou o movimento da máquina infernal e eu a vi subir, como que atraída por alguma força invisível, para o teto. Aquela foi uma lição que guardei desesperadamente no coração. Não havia dúvida de que os meus menores gestos eram observados. Livre! Escapara por pouco à morte numa determinada forma de agonia, apenas para ser entregue a uma outra, pior do que a morte. Com este pensamento, volvi os olhos, nervosamente, para as paredes de ferro que me cercavam. Algo estranho - uma mudança que, a princípio, não pude apreciar claramente - havia ocorrido, evidentemente, em minha cela. Durante muitos minutos de trêmula abstração, perdi-me em conjeturas vãs e incoerentes. Pela primeira vez percebi a origem da luz sulfurosa que alumiava a cela. Procedia de uma fenda, de cerca de meia polegada de largura, que se estendia em torno do calabouço, junto à base das paredes, que pareciam, assim, e, na verdade estavam, completamente separadas do solo. Procurei, inutilmente, olhar através dessa abertura.

Ao levantar-me, depois dessa tentativa, o mistério da modificação verificada tornou-se-me, subitamente, claro. Já observara que, embora os contornos dos desenhos das paredes fossem bastante nítidos, suas cores, não obstante, pareciam apagadas e indefinidas. Essas cores, agora, haviam adquirido, e estavam ainda adquirindo, um brilho intenso e surpreendente, que dava às imagens fantásticas e diabólicas um aspecto que teria arrepiado nervos mais firmes do que os meus. Olhos demoníacos, de uma vivacidade sinistra e feroz, cravavam-se em mim de todos os lados, de lugares onde antes nenhum deles era visível, com um brilho ameaçador que eu, em vão, procurei considerar como irreal.

Irreal! Bastava-me respirar para que me chegasse às narinas o vapor de ferros em brasa! Um cheiro sufocante invadia a prisão! Um brilho cada vez mais profundo se fixava nos olhos cravados em minha agonia! Um vermelho mais vivo estendia-se sobre aquelas pinturas horrorosas e sangrentas. Eu arquejava. Respirava com dificuldade. Não poderia haver dúvida quanto à intenção de meus verdugos, os mais implacáveis, os mais demoníacos de todos os homens! Afastei-me do metal incandescente,colocando-me ao centro da cela. Ante a perspectiva da morte pelo fogo,que me aguardava, a idéia da frescura do poço chegou à minha alma como um bálsamo. Precipitei-me para as suas bordas mortais. Lancei o olhar para o fundo. O resplendor da abóbada iluminava as suas cavidades mais profundas. Não obstante, durante um minuto de desvario, meu espírito se recusou a compreender o significado daquilo que eu via. Por fim, aquilo penetrou, à força, em minha alma, gravando-se a fogo em minha trêmula razão. Oh, indescritível! Oh, horror dos horrores! Com um grito, afastei-me do poço e afundei o rosto nas mãos, a soluçar amargamente.

O calor aumentava rapidamente e, mais uma vez, olhei para cima, sentindo um calafrio. Operara-se uma grande mudança na cela - e, dessa vez, a mudança era, evidentemente, de forma. Como acontecera antes, procurei inutilmente apreciar ou compreender o que ocorria. Mas não me deixaram muito tempo em dúvida. A vingança da Inquisição se exacerbara por eu a haver frustrado por duas vezes - e não mais permitiria que zombasse dela! A cela, antes, era quadrada. Notava, agora, que dois de seus ângulos de ferro eram agudos, sendo os dois outros, por conseguinte, obtusos. Com um ruído surdo, gemente, aumentava rapidamente o terrível contraste. Num instante, a cela adquirira a forma de um losango. Mas a modificação não parou aí - nem eu esperava ou desejava que parasse. Poderia haver apertado as paredes incandescentes de encontro ao peito, como se fossem uma vestimenta de eterna paz. "A morte", disse de mim para comigo. "Qualquer morte, menos a do poço!" Insensato! Como não pude compreender que era para o poço que o ferro em brasa me conduzia? Resistiria eu ao seu calor? E, mesmo que resistisse, suportaria sua pressão? E cada vez o losango se aproximava mais, com uma rapidez que não me deixava tempo para pensar. Seu centro e, naturalmente, a sua parte mais larga chegaram até bem junto do abismo aberto. Recuei, mas as paredes, que avançavam, me empurravam, irresistivelmente, para frente. Por fim, já não existia, para o meu corpo chamuscado e contorcido, senão um exíguo lugar para firmar os pés, no solo da prisão. Deixei de lutar, mas a angústia de minha alma se extravasou em forte e prolongado grito de desespero. Senti que vacilava à boca do poço, e desviei os olhos... Mas ouvi, então, um ruído confuso de vozes humanas! O som vibrante de muitas trombetas! E um rugido poderoso, como de mil trovões, atroou os ares! As paredes de fogo recuaram precipitadamente! Um braço estendido agarrou o meu, quando eu, já quase desfalecido, caía no abismo. Era o braço do General Lassalle. O exército francês entrara em Toledo. A Inquisição estava nas mãos de seus inimigos.

Nota:
1 Aqui a multidão ímpia dos carrascos, insaciada, alimentou sua sede violenta de sangue inocente. Agora, salva a pátria, destruído o antro do crime, reinam a vida e salvação onde reinava a cruel morte.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Presente de um poeta

Presente de um poeta


Já não se encantarão meus olhos em teus olhos,
já não se achará doce minha dor a teu lado.

Mas por onde eu caminhe levarei teu olhar
e para onde tu fores levarás minha dor.

Fui teu, foste minha. Que mais? Juntos fizemos
um desvio na rota por onde o amor passou.

Fui teu, foste minha. Tu serás de quem te ame,
do que corte em teu horto aquilo que eu plantei.

Eu me vou. Estou triste: mas eu sempre estou triste.
Eu venho dos teus braços. Não sei para onde vou.

Desde o teu coração diz adeus um menino.
E eu lhe digo adeus.

Pablo Neruda



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Versos - DJA_Lady

"Veja meu amado, veja.
Tudo nesse mundo tem fim.
Todo prazer é seguido de dor.
Todo sofrimento é causado por um amor.
Venha meu amado, venha.
Aproveitemos a chance de sermos felizes.
Já estamos perdidos nesse sentimento.
E ficar longe de ti será meu tormento.
Possua-me meu amado. Possua-me.
Desejo sentir o calafrio entusiasmante
Provocado por tuas mãos, meu caro amante.
Possua-me meu amado, sem medo.
Pois nosso caso logo terá um final.
E nosso destino será fatal."

DJA_Lady




Amor, amor

Amor, amor.
Este não é um sonho qualquer. Venha!
Esta criatura que me domina tem garras fortes.
Mas não machucam meu corpo. Fazem calafrios percorrerem por todo ele e terminarem em gemidos de prazer.
Possui olhos flamejantes que só fazem aumentar o seu mistério e domínio sobre mim. Não são de maldade, mas de desejo.
Suas presas cravam-se em minha pele, mas não se enchem de sangue. Meu grito estridente não é de dor, mas de prazer. A adrenalina percorre minhas veias e me excita.
Suas grandes asas de couro se erguem sobre mim. Não sei se aliviam ou alimentam mais esse fogo.
Não vá amor, amor. Me leve junto nesse vôo. Seja qual for meu destino, quero que seja ao seu lado. Em ti. Contigo.
Mesmo que seja nosso último vôo juntos. Mesmo que seja um sonho.
Me leve, amor, amor.

DJA_Lady


Soneto póstumo

Soneto póstumo


- Boa tarde... - Boa tarde! - E a doce amiga
E eu, de novo, lado a lado, vamos!
Mas há um não sei quê, que nos intriga:
Parece que um ao outro procuramos...

E, por piedade ou gratidão, tentamos
Representar de novo a história antiga.
Ma vem-me a idéia... nem sei como a diga...
Que fomos outros que nos encontramos!

Não há remédio: é separar-nos, pois.
E as nossas mãos amigas se estenderam:
- Até breve! - Ate breve! - E, com espanto

Ficamos a pensar nos outros dois.
Aqueles dois que há tanto já morreram...
E que, um dia, se quiseram tanto!

Mário Quintana


Inscrição para um portão de cemitério

Inscrição para um portão de cemitério
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"

Mário Quintana