sábado, 29 de setembro de 2012

Coração Denunciador

CORAÇÃO DENUNCIADOR

Edgar Alan Poe





É verdade tenho sido nervoso, muito nervoso, terrivelmente nervoso! Mas por que ireis dizer que sou louco? A enfermidade me aguçou os sentidos, não os destruiu, não os entorpeceu. Era penetrante, acima de tudo, o sentido da audição. Eu ouvia todas as coisas, no céu e na terra. Muitas coisas do inferno eu ouvia. Como, então, sou louco? Prestai atenção! E observai quão lucidamente, quão calmamente posso contar toda a história.

É impossível dizer como a idéia me penetrou primeiro no cérebro, uma vez concebida, porém, ela perseguiu dia e noite. Não havia motivo. Não havia cólera. Eu gostava do velho. Ele nunca fizera mal. Nunca me insultara. Eu não desejava seu ouro. Penso que era o olhar dele! Sim, era isso! Um de seus olhos parecia com o de um abutre... um olho de cor azul pálida, que sofria de catarata . Meu sangue se enregelava sempre que ele caía sobre mim; e assim, pouco a pouco, bem lentamente, fui-me decidindo a tirar a vida do velho e assim libertar-me daquele olho para sempre.

Ora, aí é que estava o problema. Imaginais que sou louco. Os loucos nada sabem. Deveríeis, porém, ter-me visto. Deveríeis ter visto como procedi cautelosamente, com que prudência, com que previsão, com que dissimulação, lancei mão à obra!

Eu nunca fora mais bondoso para com o velho do que durante a semana inteira, antes de matá-lo. todas as noites, por volta da meia-noite, eu girava o trinco da porta de seu quarto e abria-a... oh! Bem devagarinho! E depois, quando a abertura era suficientemente para conter minha cabeça, eu introduzia uma lanterna com tampa, toda velada, bem velada, de modo que nenhuma luz se projetasse para fora, e em seguida enfiava a cabeça. Oh! Teríeis rido ao ver como enfiava habilmente! Movia-a lentamente, muito, muito lentamente, a fim de não perturbar o sono do velho. Levava uma hora para colocar a cabeça inteira além da abertura, até podê-lo ver deitado na cama. Ah! Um louco seria precavido assim? E depois, quando minha cabeça estava bem dentro do quarto, eu abria a tampa da lanterna cautelosamente... oh! Bem cautelosamente!... cautelosamente... por que a dobradiça rangia... abria-a só até permitir que apenas um débil raio de luz caísse no olho de abutre. E isto eu fiz durante sete longas noites... sempre precisamente à meia-noite... e sempre encontrei o olho fechado. Assim, era impossível fazer minha tarefa, porque não era o velho que me perturbava, mas seu olho diabólico. E todas as manhãs, sem temor, chamando-o pelo nome com ternura e perguntando como havia passado a noite. Por aí vedes que ele precisaria ser um velho muito perspicaz para suspeitar que todas as noites, justamente às doze horas, eu o espreitava, enquanto dormia.

Na oitava noite, fui mais cauteloso do que de hábito, ao abrir a porta. O ponteiro dos minutos de um relógio mover-se-ia mais rapidamente do que meus dedos. Jamais, antes daquela noite, sentira eu tanto a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Mal conseguia conter meus sentimentos de triunfo. Pensar que ali estava eu, a abrir a porta, pouco a pouco, e que ele nem sequer sonhava com meus atos ou pensamentos secretos... Ri com gosto, entre dentes, e essa idéia; e talvez ele me tivesse ouvido, porque se moveu de súbito na cama, como se assustado. Pensava talvez que recuei? Não! O quarto dele estava escuro como piche, espesso de sombra, pois os postigos se achavam hermeticamente fechado, por medo aos ladrões. E eu sabia, assim, que ele não podia ver a abertura da porta; continuei a avançar, cada vez mais, cada vez mais.

Já estava com a cabeça dentro do quarto e a ponto de abrir a lanterna, quando meu polegar deslizou sobre o fecho da porta e o velho saltou na cama gritando: "Quem está aí?"
Fiquei completamente silencioso e nada disse. Durante uma hora inteira não movi um músculo e, por todo esse tempo, não o ouvi deitar-se de novo: ele ainda estava sentado na cama, à escura; justamente com eu fizera, noite após noite, ouvindo a ronda da morte próxima.

Depois, ouvi um leve gemido e notei que era um gemido de terror mortal. Não era um gemido de dor ou pesar, oh não! Era o som grave e sufocado. Bem conhecia esse som. Muitas noites, ao soar a meia-noite, quando o mundo inteiro dormia, ele irrompia de meu próprio peito, aguçando, com o seu eco espantoso, os terrores que me aturdiam. Disse que bem o conhecia. Conheci também o eu o velho sentia e tive pena dele, embora abafasse o riso no coração. Eu sabia que ele ficara acordado, desde o primeiro leve rumor, quando se voltar na cama. Daí por diante, seus temores foram crescendo. Tentara imaginá-los sem motivo mas não fora possível. Dissera a si mesmo; "É só o vento na chaminé", ou "é só um rato andando pelo chão", ou "foi apenas um grilo que cantou um instante só": sim, ele estivera tentando animar-se com essas suposições, mas tudo fora em vão. Tudo em vão, porque a Morte, ao aproximar-se dele, projetava sua sombra negra para frente, envolvendo nela a vítima. E era a influência tétrica dessa sombra não percebia que o levava a sentir - embora não visse, nem ouvisse - a sentir a presença de minha cabeça dentro do quarto.

Depois de esperar longo tempo, com muita paciência, sem ouvi-lo deitar-se, resolvi abrir um pouco, muito, muito pouco, a tampa da lanterna. Abri-a, podeis imaginar o quão furtivamente; até que, por fim, um raio de luz apenas, tênue como o fio de uma teia de aranha, passou pela fenda e caiu sobre o olho de abutre.

Ele estava aberto; todo, plenamente aberto. E, ao contemplá-lo, minha fúria cresceu. Vi-o, com perfeita clareza; todo de um azul desbotado, com uma horrível película a cobri-lo, o que me enregelava até a medula dos ossos. Mas não podia ver nada mais da face, ou do corpo do velho, pois dirigira a luz como por instinto, sobre o maldito lugar.

Ora, não vos disse que apenas é superacuidade dos sentidos aquilo que erradamente julgais loucura? Repito, pois, que chegou a meus ouvidos em som baixo, monótono, rápido, como o de um relógio, quando abafado com algodão. Igualmente eu bem sabia que som era. Era o bater do coração do velho. Ele me aumentava a fúria, como o bater um tambor estimula a coragem do soldado.

Ainda aí, porém, refreei-me e fiquei quieto. Tentei manter tão fixamente quanto pude a réstia de luz sobre o olho do velho. Entretanto, o infernal tam-tam do coração aumentava. A cada instante ficava mais alto, mais rápido! Cada vez mais alto, repito, a cada momento! Prestai-me bem atenção? Disse-vos que sou nervoso: sou. E então, àquela hora morta da noite, tão estranho ruído excitou em mim um terror incontrolável. Contudo, por alguns minutos mais, dominei-me e fiquei quieto. Mas o bater era cada vez mais alto. Julguei que o coração ia rebentar. E, depois, nova angústia me aferrou: o rumor poderia ser ouvido por um vizinho! A hora do velho tinha chegado! Com um alto berro, escancarei a lanterna e pulei para dentro do quarto. Ele guinchou mais uma vez... uma vez só. Num instante arrastei-o para o soalho e virei a pesada cama sobre ele. Então sorri alegremente por ver a façanha realizada. Mas, durante muitos minutos, o coração continuou a bater, com som surdo. Isto, porém, não me vexava. Não seria ouvido através da parede. Afinal cessou. O velho estava morto. Removi a cama e examinei o cadáver. Sim, era um pedra, uma pedra morta. Coloquei minha mão sobre o coração e ali a mantive durante muitos minutos. Não havia pulsação. Estava petrificado. Seu olho não me perturbaria.

Se ainda pensais que sou louco, não mais pensareis, quando eu descrever as sábias precauções que tomei para ocultar o cadáver. A noite avançava e eu trabalhava apressadamente, porém em silêncio. Em primeiro lugar, esquartejei o corpo. Cortei-lhe a cabeça, os braços e as pernas.

Arranquei depois três pranchas do soalho e coloquei tudo entre os vãos. Depois recoloquei as tábuas, com tamanha habilidade e perfeição, que nenhum olhar humano, nem mesmo o dele, poderia distinguir qualquer coisa suspeita. Nada havia a lavar, nem mancha de espécie alguma, nem marca de sangue. Fora demasiado prudente no evitá-las. Uma tina tinha recolhido tudo... ah! Ah! Ah! Terminadas todas essas tarefas, eram quatro horas. Mas ainda estava escuro, como se fosse meia-noite. Quando o sino soou a hora, bateram a porta da rua. Desci para abri-la, de coração ligeiro,... pois que tinha eu agora a temer? Entraram três homens que se apresentaram , com perfeita mansidão, com soldados de polícia. Fora ouvido um grito por um vizinho, durante a noite. Despertara-se a suspeita de um crime. Tinha-se formulado uma denúncia à polícia e eles, soldados , tinham sido mandados para investigar.
Sorri... pois que tinha eu a temer? Dei as boas vindas aos cavalheiros. O grito, disse eu, fora meu mesmo, em sonhos. O velho, relatei, estava ausente, no interior. Levei meus visitantes a percorrer toda a casa. Pedi que dessem busca... completa. Conduzi-os, afinal, ao quarto dele. Mostrei-lhe suas riquezas, em segurança inatas. No entusiasmo de minha confiança, trouxe cadeiras para o quarto e mostrei desejos de que eles ficassem ali, para descansar de suas fadigas, enquanto eu mesmo, na desenfreada audácia do meu perfeito triunfo, colocava minha própria cadeira , precisamente sobre o lugar onde repousava o cadáver da vítima.
Os soldados ficaram satisfeitos. Minhas maneiras os haviam convencido. Sentia-me singularmente à vontade. Sentaram-se e, enquanto eu respondia cordialmente, conversavam coisas familiares. Mas, dentro em pouco, senti que ia empalidecendo e desejei que eles se retirassem. Minha cabeça me doía e parecia-me ouvir zumbidos nos ouvidos; eles, porém, continuavam sentados e continuavam a conversar. O zumbido tornou-se mais distinto. Continuou e tornou-se ainda mais distinto: eu falava com mais desenfreio, para dominar a sensação: ela, porém, continuava a aumentava sua perceptibilidade, até que, afinal, descobri que o barulho não era dentro dos meus ouvidos.

É claro que então minha palidez aumentou sobreposse. Mas eu falava ainda mais fluentemente e num tom de voz muito elevada. Não obstante, o som se avolumava... E que podia fazer? Era um som grave, monótono, rápido... muito semelhante ao de um relógio envolto em algodão. Respirava com dificuldade... E no entanto, os soldados não o ouviram. Falei mais depressa ainda, com mais veemência. Mas o som aumentava constantemente. Levantei-me e fiz perguntas a respeito de ninharias, num tom bastante elevado, e com violenta gesticulação, mas o som constantemente aumentava. Por que não se iam embora? Andava pelo quarto acima e abaixo, com largas e pesadas passadas, como se excitado até a fúria pela vigilância dos homens... mas o som aumentava constante. Oh! Deus! Que poderia eu fazer? Espumei... enraiveci-me... praguejei! Fiz girar a cadeira, sobre a qual estivera sentado, e arrastei-a sobre as tábuas, mas o barulho se elevava acima de tudo e continuamente aumentava. Tornou-se então mais alto... mais alto... mais alto! E os homens continuavam ainda a passear, satisfeitos e sorriam. Seria possível que eles não ouvissem? Deus Todo Poderoso!... não, não! Eles suspeitavam!.. Eles sabiam!... Estavam zombando do meu horror!... Isto pensava eu e ainda penso. Outra coisa qualquer, porém, era melhor que essa agonia! Qualquer coisa era mais tolerável que essa irrisão! Não podia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Sentia que devia gritar ou morrer!... E agora... de novo! Escutai! Mais alto! Mais alto! Mais alto! Mais alto! Mais alto...

Visões! - trovejei - Não finjam mais! Confesso o crime!... Arranquem as pranchas!.. aqui, aqui! ... ouçam o bater do seu horrendo coração!

Versos - Woody Allen

"Não quero atingir a imortalidade com meu trabalho, mas sim não morrendo."

Woody Allen


Versos - Woody Allen

"Não que eu esteja
com medo de morrer.
Apenas não queria estar lá
quando isso acontecesse."

Woody Allen


Versos - Paulo Leminski

"Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri:
Antigamente eu era eterno."

Paulo Leminski


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Cárcere das Almas

Cárcere das Almas


Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
soluçando nas trevas, entre as grades
do calabouço olhando imensidades,
mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
quando a alma entre grilhões as liberdades
sonha e, sonhando, as imortalidades
rasga no etéreo o espaço da pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
nas prisões colossais e abandonadas,
da dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do mistério?!

Cruz e Sousa


Versos Íntimos

Versos Íntimos


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos


A Morte

A Morte


Oh! que doce tristeza e que ternura
no olhar ansioso, aflito dos que morrem...
De que âncoras profundas se socorrem
os que penetram nessa noite escura!
Da vida aos frios véus da sepultura
vagos momentos trêmulos decorrem...
E dos olhos as lágrimas escorrem
como faróis da humana Desventura.
Descem então aos golfos congelados
os que na terra vagam suspirando,
com os velhos corações tantalizados.
Tudo negro e sinistro vai rolando
báratro abaixo, aos ecos soluçados
do vendaval da Morte ondeando, uivando...

Cruz e Sousa



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Águas serenas

Águas serenas


Nestas águas foram sepultadas minhas lágrimas.
Amargas lágrimas de solidão
Nelas foi sepultada minha esperança.
Que apenas machucou meu coração.
Estas límpidas águas
Refletem uma pálida imagem.
Imagem de um ser que há muito já morreu.
Nestas águas serenas
Foi sepultada uma história.
Uma história de amor.
Uma despedida.
Um corpo.
Minha vida.

DJA_Lady



domingo, 16 de setembro de 2012

Passeio sem volta

Passeio sem volta


Vick era uma garota apaixonada pela noite. Os sons, as sombras, o céu, e todos os seus aspectos a fascinavam. Gostava de sair apenas para refletir e contemplar a beleza do luar e das estrelas no silêncio das noites.
Em uma dessas noites, estava sentada em uma calçada, a alguns quarteirões de sua casa, quando viu alguém se aproximando. Após alguns segundos analisando, pode concluir que era um rapaz jovem, e que vestia um moleton, calça jeans e usava tênis. Andava tranquilamente de cabeça baixa, como que esquadrinhando cada passo. Vick desviou o olhar e o sujeito sentou ao seu lado.
Ficaram ali, parados em silêncio, durante um tempo, olhando para o céu e ouvindo alguns sons distantes.
- É linda não é? – comentou a garota.
- É. Fascinante.
Falaram essas palavras sem desviar o olhar da lua em seu esplendor. Mas a voz daquele rapaz chamara muito a atenção de Vick então ela resolveu olhar para seu rosto. Era de uma pele clara, quase branca, e delicada, tinha olhos concentrados e uma expressão séria, mas não rude, e sim natural. Tinha cabelos pretos que contrastavam com sua pele, mas combinavam com seus olhos, negros e profundos.
- Qual seu nome? – perguntou enfim.
- Jay. James, mas pode me chamar de Jay.
- Meu nome é Vick.
- Eu sei.
- Sabe? Como?
- Não importa.
Ela não conseguia parar de olhar para o garoto, que por sua vez, ainda olhava para cima com ar despreocupado. Parecia bem enigmático e era atraente demais para nunca tê-lo notado. Por impulso ela passou a mão nos cabelos dele, e sentiu uma sensação maravilhosa, inexplicável, mas logo a retirou e, tímida, abaixou a cabeça olhando para o chão a sua frente.
Após mais alguns instantes em silêncio, Jay a convidou para um passeio, e juntos caminharam aparentemente sem rumo. A jovem estava se sentindo atraída por aquele rapaz estranho, e achava que isso seria divertido.
- Onde você mora? – perguntou ela.
- Você vai descobrir logo.
- Você é bem misterioso.
- Gosta de aventura?
- É um convite?
- Não, uma intimação.
O sorriso descontraído e a piscadela de Jay fizeram os olhos de Vick brilharem enquanto andavam lado a lado, olhando um para o outro.
Em certo momento, andavam por uma rua que se encontrava deserta e quase não tinha iluminação uma vez que estavam no interior, em uma região pouco habitada. Entraram no pátio de uma velha casa abandonada e seguiram por um estreito corredor ao lado da residência que levava aos fundos do terreno.
Era madrugada, mas a resplandecência da lua em sua fase cheia, permitia ver que o gramado era bonito. A única coisa que existia no centro dele era um grande poço redondo. James foi até lá e apesar do poço estar descoberto, se escorou na beirada dele. Vick fez o mesmo, e naquele instante pode visualizar a parte de trás daquela casa abandonada. Era realmente muito velha e havia sofrido os efeitos do tempo, que aparentava ser de muitas décadas. Mas não foi isso que mais chamou a atenção da garota, e sim o símbolo pintado por toda sua frágil parede de madeira. A pintura era enorme e também parecia antiga.
- Quem fez isso?
- Esta casa era de meu avô. Ele havia perdido os seus pais muito jovem. Não tinha parentes próximos aos quais pudesse pedir ajuda, então viveu o resto de sua vida aqui. Foi ele quem fez a pintura. O pentagrama invertido com a imagem de Baphomet era o símbolo da Igreja de Satã, de Levi. Meu avô veio a se tornar satanista depois que conheceu uma garota no bar onde trabalhava. Eles tiveram apenas um filho, o qual meu avô criou até se tornar um adolescente. Conforme a história, meu avô matou a namorada após o nascimento de meu pai, ensinou tudo o que sabia a ele, e mais tarde cometeu suicídio. Sozinho no mundo, meu pai continuou a morar nesta casa e a praticar o que meu avô lhe ensinou. Conheceu uma garota que nem ele e tiveram um filho. Minha mãe morreu um tempo depois, mas não se sabe o porquê. Três anos atrás meu pai se suicidou, e aqui estou eu, na casa condenada. Diz-se também que este poço guarda muitos segredos.
- Então você também se tornou satanista?
- Não é uma questão de se tornar. É uma questão de ser. Somos todos filhos de uma mesma divindade.
Vick ainda olhava deslumbrada para a pintura na casa, quando Jay apareceu na sua frente e se aproximou dela. Enfim eles se beijaram, e a garota então percebeu como estava quente ali. James interrompeu o momento:
- Quero que conheça a minha família.
Ela ficou surpresa mas não houve tempo para falar. Sentiu o corpo do rapaz pressionar o seu até se desequilibrarem e caírem dentro do poço. A última coisa que ela viu foi a lua, lá no alto, que parecia brilhar mais do que nunca.

DJA_Lady


Versos

"É perigoso despertar as pessoas dos seus sonhos."


Versos - DJA_Lady

Eu preciso de você aqui.
Não importa como.
Só preciso de você
Aqui: para mim, comigo, em mim.
Somente tua nobre alma pode acalmar a minha.
Somente você pode saciar minha sede.
Sem preconceitos.
Eu preciso que você tome conta de mim.

DJA_Lady


Cova, profunda cova

Cova, profunda cova,
Que guarda tão tenro corpo.
Corpo que um dia me pertenceu.
Céu, distante céu,
Que levou tão pura alma.
Alma que um dia esteve presa à minha.
Lágrimas, amargas lágrimas
Que escorreram pelo seu rosto.
Rosto que um dia tocou o meu.
Palavras, tristes palavras
Que saíram de delicada boca.
Boca que um dia beijei.
Ó cova, tão profunda cova.
Finalmente minha amada,
Meu corpo junto ao seu,
Minha alma junto à sua,
Novamente.

DJA_Lady


Versos

"Se meus olhos mostrassem minha alma, muitas pessoas ao me verem, chorariam comigo."


sábado, 15 de setembro de 2012

Bilhete

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mário Quintana


Soneto

Soneto

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!


Álvares de Azevedo


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Soneto da morte

Soneto da morte

A vida jaz com um suspiro da morte
O lascivo gosto do rancor abstrato
Em brumas noturnas festejas
Displicente ao próprio ato.
Os corpos tombam aos milhares
Onde se refestelam os vermes da terra
Sangue, carne e ossos em bandejas fúnebres
Banquete mórbido da matéria que se esfacela.
Um agônico suspiro precede o fim da vozes
Cerram-se os olhos dando adeus à sorte
Ecoando à sua volta trombetas nefastas;
Veloz corcel negro, gélido vento do norte.
Furtiva, aproximas indiferente aos prantos.
Tristeza dos que ficam, alívio pra quem parte.

Toord Brauns


Soneto

Vida e Morte


Não procures no túmulo vazio
a alma querida que deixou a Terra.
A morte encerra a vida e a vida
encerra a morte — como eterno desafio.
Ninguém fica no túmulo sombrio
onde somente o corpo é que se enterra.
A alma se eleva além da vida e erra
em mares de bonança e de amavio.
Busca no céu, nos ares, no infinito,
na quinta dimensão, no firmamento,
o ser querido que te deixa aflito.
Hás de encontrá-lo quando, num momento,
rompendo as ilusões do teu conflito,
possas falar-lhe pelo pensamento”.

José Herculano Pires


Versos - Cruz e Sousa

Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.
Morre com a alma leal, clarividente,
Da Crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus brandindo
Como um gládio soberbo e refulgente.

Cruz e Sousa


Versos - Florbela Espanca

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce lago
E, como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má morte.
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
Vim da Moirama, sou filha de rei,
má fada me encantou e aqui fiquei
à tua espera… quebra-me o encanto!

Florbela Espanca


Versos - Goethe

A Morte é uma impossibilidade
que, de repente,
se torna realidade.

Goethe


Versos - Omar Khayyam

Não temo a morte: prefiro
esse fato inelutável
ao outro que me foi imposto
no dia do meu nascimento.
Que é a vida?
Um bem que me confiaram
sem me consultar
e que restituirei
com indiferença

Omar Khayyam


Versos - Fernando Pessoa

A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.
O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.
E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.

Fernando Pessoa



Ah! Os relógios

Ah! Os relógios

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida — a verdadeira —
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém — ao voltar a si da vida —
acaso lhes indaga que horas são...

Mario Quintana



Sem saída

Sem saída

A sobrevivência me apavora.
Outrora não era assim…
Sobrevivo a cada dia e
A cada dia penso no outro, no outro, no outro…
Angústia
Quanto tempo suportarei?
Por quanto tempo mais essa luta inglória?
Trará vitória?
Minha história trará vitória?!
Indago, sem resposta.
Vida sem risco.
Numa folha, rabisco…
Forma-se uma imagem…
É um pássaro azul
Tendendo vôo ao infinito
Bonito…
Ficou bonito a ave no papel.
Só no papel posso voar.
Desenhos livres! Volitar!
Diferente de mim, preso ao chão
Atrás das grades
Enclausurado
Mau amado
Sem direito a vôo, sequer, rasante.
Angustiante meu viver…
Liberdade! Meu grito!
Liberdade, é poder morrer
E abrir-se ao infinito...

João Perdido




Se eu morresse amanhã!

Se eu morresse amanhã!

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que dove n’alva
Acorda a natureza mais loucã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã…
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

Álvares de Azevedo


Morte (hora de delírio)

Morte (hora de delírio)

Pensamento gentil de paz eterna
Amiga morte, vem. Tu és o termo
De dous fantasmas que a existência formam,
— Dessa alma vã e desse corpo enfermo.

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a ausência das moções da vida,
do prazer que nos custa a dor passada.

Pensamento gentil de paz eterna
Amiga morte, vem. Tu és apenas
A visão mais real das que nos cercam,
Que nos extingues as visões terrenas.

Nunca temi tua destra,
Não vou o vulgo profano;
Nunca pensei que teu braço
Brande um punhal sobr’humano.

Nunca julguei-te em meus sonhos
Um esqueleto mirrado;
Nunca dei-te, pra voares,
Terrível ginete alado.

Nunca te dei uma foice
Dura, fina e recurvada;
Nunca chamei-te inimiga,
Ímpia, cruel, ou culpada.

Amei-te sempre: — pertencer-te quero
Para sempre também, amiga morte.
Quero o chão, quero a terra, — esse elemento
Que não se sente dos vaivens da sorte.

Para tua hecatombe de um segundo
Não falta alguém? — Preencha-a comigo:
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Miríades de vermes lá me esperam
Para nascer de meu fermento ainda,
Para nutrir-se de meu suco impuro,
Talvez me espera uma plantinha linda.

Vermes que sobre podridões refervem,
Plantinha que a raiz meus ossos fera,
Em vós minha alma e sentimento e corpo
Irão em partes agregar-se à terra.

E depois nada mais. Já não há tempo,
nem vida, nem sentir, nem dor, nem gosto.
Agora o nada — esse real tão belo
Só nas terrenas vísceras deposto.

Facho que a morte ao lumiar apaga,
Foi essa alma fatal que nos aterra.
Consciência, razão, que nos afligem,
Deram em nada ao baquear em terra.

Única idéia mais real dos homens,
Morte feliz — eu quero-te comigo,
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Também desta vida à campa
Não transporto uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

E como um autômato infante
Que ainda não sabe mentir,
Ao pé da morte querida
Hei de insensato sorrir.

Por minha face sinistra
Meu pranto não correrá.
Em meus olhos moribundos
Terrores ninguém lerá.

Não achei na terra amores
Que merecessem os meus.
Não tenho um ente no mundo
A quem diga o meu — adeus.

Não posso da vida à campa
Transportar uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

Por isso, ó morte, eu amo-te e não temo:
Por isso, ó morte, eu quero-te comigo.
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Junqueira Freire



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Versos - DJA_Lady

A dor que me fere
É a mesma dor que me dá prazer.
Crave suas garras em mim.
Tome meu corpo.
Leve-me, Santa Morte.
Minha dor és tua.

DJA_Lady


Versos

“Aquele que faz de si uma besta, livra-se da dor de ser um homem.”


sábado, 8 de setembro de 2012

Versos

"Não é preciso ver lágrimas em seus olhos
para saber que você não está bem.
Não é preciso ver você em um caixão
para saber que está morta,
pois o seu silêncio chora por si
e se as lágrimas surgirem será você
que está se matando..."


Versos

"O mundo está se destruindo
e junto dele mentes se enlouquecem.
Humanos correm por todos os lados
procurando por saídas, mas não há mais solução
pois logo todos morrerão!"





Versos

"Existe alguém que deseja me possuir
e mesmo o desejo dele sendo grande
o meu se torna maior ainda.
Então eu irei possui-lo e
alimenta-lo com meu corpo
e assim seguirá um possuindo o outro!"


Versos

É o fim!
Não temas!
Sinta as sombras no coração
Da morte nasce a vida
um mundo sem ilusão
Onde apenas sobrevivem
Os que enxergam
A arte na escuridão.

-Autor Desconhecido


O retrato oval

O retrato oval

Edgar Allan Poe

O castelo em que o meu criado se tinha empenhado em entrar pela força, de
preferência a deixar-me passar a noite ao relento, gravemente ferido como
estava, era um desses edifícios com um misto de soturnidade e de grandeza
que durante tanto tempo se ergueram nos Apeninos, não menos na realidade
do que na imaginação da senhora Radcliffe. Tudo dava a entender que tinha
sido abandonado recentemente. Instalámo-nos num dos compartimentos mais
pequenos e menos sumptuosamente mobilados, situado num remoto torreão do
edifício. A decoração era rica, porém estragada e vetusta.
Das paredes pendiam colgaduras e diversos e multiformes trofeus heráldicos,
misturados com um desusado número de pinturas modernas, muito alegres, em
molduras de ricos arabescos doirados. Por esses quadros que pendiam das
paredes - não só nas suas superfícies principais como nos muitos recessos que
a arquitetura bizarra tornara necessários - , por esses quadros, digo, senti
despertar grande interesse, possivelmente por virtude do meu delírio
incipiente; de modo que ordenei a Pedro que fechasse os maciços postigos do
quarto, pois que já era noite; que acendesse os bicos de um alto candelabro
que estava à cabeceira da minha cama e que corresse de par em par as cortinas
franjadas de veludo preto que envolviam o leito. Quis que se fizesse tudo isto
de modo a que me fosse possível, se não adormecesse, ter a alternativa de
contemplar esses quadros e ler um pequeno volume que acháramos sobre a
almofada e que os descrevia e criticava.
Por muito, muito tempo estive a ler, e solene e devotamente os contemplei.
Rápidas e magníficas, as horas voavam, e a meia-noite chegou. A posição do
candelabro desagradava-me, e estendendo a mão com dificuldade para não
perturbar o meu criado que dormia, coloquei-o de modo a que a luz incidisse
mais em cheio sobre o livro.
Mas o movimento produziu um efeito completamente inesperado. A luz das
numerosas velas (pois eram muitas) incidia agora num recanto do quarto que
até então estivera mergulhado em profunda obscuridade por uma das colunas
da cama. E assim foi que pude ver, vivamente iluminado, um retrato que
passava despercebido. Era o retrato de uma jovem que começava a ser mulher.
Olhei precipitadamente para a pintura e ato contínuo fechei os olhos. A
princípio, eu próprio ignorava por que o fizera. Mas enquanto as minhas
pálpebras assim permaneceram fechadas, revi em espírito a razão por que as
fechara. Foi um movimento impulsivo para ganhar tempo para pensar - para
me certificar que a vista não me enganava -, para acalmar e dominar a minha
fantasia e conseguir uma observação mais calma e objetiva. Em poucos
momentos voltei a contemplar fixamente a pintura.
Que agora via certo, não podia nem queria duvidar, pois que a primeira
incidência da luz das velas sobre a tela parecera dissipar a sonolenta letargia
que se apoderara dos meus sentidos, colocando-me de novo na vida desperta.
O retrato, disse-o já, era de uma jovem. Apenas se representavam a cabeça e
os ombros, pintados à maneira daquilo que tecnicamente se designa por
vinheta - muito no estilo das cabeças favoritas de Sully. Os braços, o peito, e
inclusivamente as pontas dos cabelos radiosos, diluíam-se imperceptivelmente
na vaga mas profunda sombra que constituía o fundo. A moldura era oval,
ricamente doirada e filigranada em arabescos. Como obra de arte, nada podia
ser mais admirável que o retrato em si. Mas não pode ter sido nem a execução
da obra nem a beleza imortal do rosto o que tão subitamente e com tal
veemência me comoveu. Tão-pouco é possível que a minha fantasia, sacudida
da sua meia sonolência, tenha tomado aquela cabeça pela de uma pessoa viva.
Compreendi imediatamente que as particularidades do desenho, do vinhetado
e da moldura devem ter dissipado por completo uma tal ideia - devem ter
evitado inclusivamente qualquer distração momentânea. Meditando
profundamente nestes pontos, permaneci, talvez uma hora, meio deitado, meio
reclinado, de olhar fito no retrato. Por fim, satisfeito por ter encontrado o
verdadeiro segredo do seu efeito, deitei-me de costas na cama. Tinha
encontrado o feitiço do quadro na sua expressão de absoluta semelhança com
a vida, a qual, a princípio, me espantou e finalmente me subverteu e
intimidou. Com profundo e reverente temor, voltei a colocar o candelabro na
sua posição anterior. Posta assim fora da vista a causa da minha profunda
agitação, esquadrinhei ansiosamente o livro que tratava daqueles quadros e
das suas respectivas histórias. Procurando o número que designava o retrato
oval, pude ler as vagas e singulares palavras que se seguem:
Era uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre. E maldita
foi a hora em que viu, amou e casou com o pintor. Ele, apaixonado, estudioso,
austero, tendo já na Arte a sua esposa. Ela, uma donzela de raríssima beleza e
tão adorável quanto alegre, toda luz e sorrisos, e vivaz como uma jovem
corça; amando e acarinhando a todas as coisas; apenas odiando a Arte que era
a sua rival; temendo apenas a paleta e os pincéis e outros enfadonhos
instrumentos que a privavam da presença do seu amado. Era pois coisa terrível
para aquela senhora ouvir o pintor falar do seu desejo de retratar a sua jovem
esposa. Mas ela era humilde e obediente e posou docilmente durante muitas
semanas na sombria e alta câmara da torre, onde a luz apenas do alto incidia
sobre a pálida tela. E o pintor apegou-se à sua obra que progredia hora após
hora, dia após dia. E era um homem apaixonado, veemente e caprichoso, que
se perdia em divagações, de modo que não via que a luz que tão sinistramente
se derramava naquela torre solitária emurchecia a saúde e o ânimo da sua
esposa, que se consumia aos olhos de todos menos aos dele. E ela continuava
a sorrir, sorria sempre, sem um queixume, porque via que o pintor (que gozava
de grande nomeada) tirava do seu trabalho um fervoroso e ardente prazer e se
empenhava dia e noite em pintá-la, a ela que tanto o amava e que dia a dia
mais desalentada e mais fraca ia ficando.
E, verdade seja dita, aqueles que contemplaram o retrato falaram da sua
semelhança com palavras ardentes, como de um poderosa maravilha, - prova
não só do talento do pintor como do seu profundo amor por aquela que tão
maravilhosamente pintara. Mas por fim, à medida que o trabalho se
aproximava da sua conclusão, ninguém mais foi autorizado na torre, porque o
pintor enlouquecera com o ardor do seu trabalho e raramente desviava os
olhos da tela, mesmo para contemplar o rosto da esposa. E não via que as
tintas que espalhava na tela eram tiradas das faces daquela que posava junto a
ele. E quando haviam passado muitas semanas e pouco já restava por fazer,
salvo uma pincelada na boca e um retoque nos olhos, o espírito da senhora
vacilou como a chama de uma lanterna. Assente a pincelada e feito o retoque,
por um momento o pintor ficou extasiado perante a obra que completara; mas
de seguida, enquanto ainda a estava contemplando, começou a tremer e pôs-se
muito pálido, e apavorado, gritando em voz alta 'Isto é na verdade a própria
vida!', voltou-se de repente para contemplar a sua amada: - estava morta.


A máscara da Morte Escarlate

A máscara da Morte Escarlate

Edgar Allan Poe

A "Morte Escarlate" havia muito devastava o país. Jamais se viu
peste tão fatal ou tão hedionda. O sangue era sua revelação e sua
marca – a cor vermelha e o horror do sangue. Surgia com dores
agudas e súbita tontura, seguidas de profuso sangramento pelos
poros, e então a morte. As manchas rubras no corpo e
principalmente no rosto da vítima eram o estigma da peste que a
privava da ajuda e compaixão dos semelhantes. E entre o
aparecimento, a evolução e o fim da doença não se passava mais
de meia hora.
Mas o príncipe Próspero era feliz, destemido e astuto. Quando a
população de seus domínios se reduziu à metade, mandou vir à sua
presença um milhar de amigos sadios e divertidos dentre os
cavalheiros e damas da corte e com eles retirou-se, em total
reclusão, para um dos seus mosteiros encastelados. Era uma
construção imensa e magnífica, criação do gosto excêntrico, mas
grandioso do próprio príncipe. Circundava-a a muralha forte e
muito alta, com portas de ferro. Depois de entrarem, os cortesãos
trouxeram fornalhas e grandes martelos para soldar os ferrolhos.
Resolveram não permitir qualquer meio de entrada ou saída aos
súbitos impulsos de desespero do que estavam fora ou aos furores
do que estavam dentro. O mosteiro dispunha de amplas provisões.
Com essas precauções, os cortesãos podiam desafiar o contágio. O
mundo externo que cuidasse de si mesmo. Nesse meio-tempo era
tolice atormentar-se ou pensar nisso. O príncipe havia
providenciado toda a espécie de divertimentos. Havia bufões,
improvisadores, dançarinos, músicos, Beleza, vinho. Lá dentro,
tudo isso mais segurança. Lá fora, a "Morte Escarlate".
Lá pelo final do quinto ou sexto mês de reclusão, enquanto a peste
grassava mais furiosamente lá fora, o príncipe Próspero brindou os
mil amigos com um magnífico baile de máscaras.
Era um espetáculo voluptuoso, aquela mascarada. Mas antes vou
descrever onde ela aconteceu. Eram sete – um suíte imperial. Em
muitos palácios, porém, essas suítes formam uma perspectiva
longa e reta, quando as portas se abrem até se encostarem nas
paredes de ambos os lados, de tal modo que a vista de toda essa
sucessão é quase desimpedida. Ali, a situação era muito diferente,
como se devia esperar da paixão do duque pelo fantástico. Os
salões estavam dispostos de maneira tão irregular que os olhos só
podiam abarcar pouco mais de cada um por vez. Havia um desvio
abrupto a cada vinte ou trinta metros e, a cada desvio, um efeito
novo. À direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma alta e
estreita janela gótica dava para um corredor fechado que
acompanhava as curvas da suíte. A cor dos vitrais dessas janelas
variava de acordo com a tonalidade dominante na decoração do
salão para o qual se abriam. O da extremidade leste, por exemplo,
era azul – e de um azul intenso eram suas janelas. No segundo
salão os ornamentos e tapeçarias, assim como as vidraças, eram
cor de púrpura. O Terceiro era inteiramente verde, e verdes
também os caixilhos das janelas. O quarto estava mobiliado e
iluminado com cor alaranjada – o quinto era branco, e o sexto,
roxo. O sétimo salão estava todo coberto por tapeçarias de veludo
negro, que pendiam do teto e pelas paredes, caindo em pesadas
dobras sobre um tapete do mesmo material e tonalidade. Apenas
nesse salão, porém, a cor das janelas deixava de corresponder à
das decorações. As vidraças, ali, eram escarlates – uma violenta
cor de sangue.
Ora, em nenhum dos sete salões havia qualquer lâmpada ou
candelabro, em meio à profusão de ornamentos de ouro
espalhados por todos os cantos ou dependurados do teto.
Nenhuma lâmpada ou vela iluminava o interior da seqüência de
salões. Mas nos corredores que circundavam a suíte havia, diante
de cada janela, um pesado tripé com um braseiro, que projetava
seus raios pelos vitrais coloridos e, assim, iluminava
brilhantemente a sala, produzindo grande número de efeitos
vistosos e fantásticos. Mas no salão oeste, ou negro, o efeito do
clarão de luz que jorrava sobre as cortinas escuras através das
vidraças da cor do sangue era desagradável ao extremo e produzia
uma expressão tão desvairada no semblante do que entravam que
poucos no grupo sentiam ousadia bastante para ali penetrar.
Era também nesse apartamento que se achava, encostado à
parede oeste, um gigantesco relógio de ébano. Seu pêndulo
oscilava de um lado para o outro com um bater surdo, pesado,
monótono; quando o ponteiro dos minutos completava o circuito do
mostrador e o relógio ia dar as horas, de seus pulmões de bronze
brotava um som claro e alto e grave e extremamente musical, mas
em tom tão enfático e peculiar que, ao final de cada hora, os
músicos da orquestra se viam obrigados a interromper
momentaneamente a apresentação para escutar-lhe o som; com
isso os dançarinos forçosamente tinham de parar as evoluções da
valsa e, por um breve instante, todo o alegre grupo mostrava-se
perturbado; enquanto ainda soavam os carrilhões do relógio,
observava-se que os mais frívolos empalideciam e os mais velhos e
serenos passavam a mão pela teste, como se estivessem num
confuso devaneio ou meditação. Mas, assim que os ecos
desapareciam interiormente, risinhos levianos logo se riam do
próprio nervosismo e insensatez e, em sussurros, diziam uns aos
outros que o próximo soar de horas não produziria neles a mesma
emoção; mas, após um lapso de sessenta minutos (que abrangem
três mil e seiscentos segundos do Tempo que voa), quando o
relógio dava novamente as horas, acontecia a mesma perturbação
e idênticos tremores e gestos de meditação de antes.
Apesar disso tudo, que festa alegre e magnífica! Os gosto do duque
eram estranhos. Sabia combinar cores e efeitos. Menosprezando a
mera decoração da moda, seus arranjos mostravam-se ousados e
veementes, e suas idéias brilhavam com um esplendor bárbaro.
Alguns podiam considerá-lo louco, sendo desmentidos por seus
seguidores. Mas era preciso ouvi-lo, vê-lo e tocá-lo para convencerse
disso.
Para essa grande festa, ele próprio dirigiu, em grande parte, a
ornamentação cambiante dos sete salões, e foi seu próprio gosto
que inspirou as fantasias dos foliões. Claro que eram grotescas.
Havia muito brilho, resplendor, malícia e fantasia – muito daquilo
que foi visto depois no Hernani. Havia figuras fantásticas com
membros e adornos que não combinavam. Havia caprichos
delirantes como se tivessem sido modelados por um louco. Havia
muito de beleza, muito de libertinagem e de extravagância, algo de
terrível e um tanto daquilo que poderia despertar repulsa. De um
ao outro, pelos sete salões, desfilava majestosamente, na verdade,
uma multidão de sonhos. E eles – os sonhos – giravam sem parar,
assumindo a cor de cada salão e fazendo com que a impetuosa
música da orquestra parecesse o eco de seus passos. Daí a pouco
soa o relógio de ébano colocado no salão de veludo. Então, por um
momento, tudo se imobiliza e é tudo silêncio, menos a voz do
relógio. Os sonhos se congelam como estão. Mas os ecos das
batidas extinguem-se – duraram apenas um instante – e risos
levianos, mal reprimidos, flutuam atrás dos ecos, à medida que vão
morrendo. E logo a música cresce de novo, e os sonhos revivem e
rodopiam mais alegremente que nunca, assumindo as cores das
muitas janelas multicoloridas, através das quais fluem os raios
luminosos dos tripés. Ao salão que fica a mais oeste de todos os
sete, porém, nenhum dos mascarados se aventura agora; pois a
noite está se aproximando do fim: ali flui uma luz mais vermelha
pelos vitrais cor de sangue e o negror das cortinas escuras
apavora; para aquele que pousa o pé no tapete negro, do relógio
de ébano ali perto chega um clangor ensurdecido mais solene e
enfático que aquele que atinge os ouvidos dos que se entregam às
alegrias nos salões mais afastados.
Mas nesses outros salões cheios de gente batia febril o coração da
vida. E o festim continuou em remoinhos até que, afinal, começou
a soar meia-noite no relógio. Então a música cessou, como contei,
as evoluções dos dançarinos se aquietaram, e, como antes, tudo
ficou intranqüilamente imobilizado. Mas agora iriam ser doze as
badaladas do relógio; e desse modo mais pensamentos talvez
tenham se infiltrado, por mais tempo, nas meditações dos mais
pensativos, entre aqueles que se divertiam. E assim também
aconteceu, talvez, que, antes de os últimos ecos da última
badalada terem mergulhado inteiramente no silêncio, muitos
indivíduos na multidão puderam perceber a presença de uma figura
mascarada que antes não chamara a atenção de ninguém. E, ao se
espalhar em sussurros o rumor dessa nova presença, elevou-se aos
poucos de todo o grupo um zumbido ou murmúrio que expressava
a reprovação e surpresa – e, finalmente, terror, horror e repulsa.
Numa reunião de fantasmas como esta que pintei, pode-se muito
bem supor que nenhuma aparência comum poderia causar tal
sensação. Na verdade, a liberdade da mascarada dessa noite era
praticamente ilimitada; mas a figura em questão ultrapassava o
próprio Herodes, indo além dos limites até do indefinido decoro do
príncipe. Existem cordas, nos corações dos mais indiferentes, que
não podem ser tocadas sem emoção. Até para os totalmente
insensíveis, para quem a vida e morte são alvo de igual gracejo,
existem assuntos com os quais não se pode brincar. Na verdade,
todo o grupo parecia agora sentir profundamente que na fantasia e
no rosto do estranho não existia graça nem decoro. A figura era
alta e esquálida, envolta dos pés a cabeça em veste mortuárias. A
máscara que escondia o rosto procurava assemelhar-se de tal
forma com a expressão enrijecida de um cadáver que até mesmo o
exame mais atento teria dificuldade em descobrir o engano. Tudo
isso poderia ter sido tolerado, e até aprovado, pelos loucos
participantes da festa, se o mascarado não tivesse ousado encarnar
o tipo da Morte Escarlate. Seu vestuário estava borrifado de sangue
– e sua alta testa, assim como o restante do rosto, salpicada com o
horror escarlate.
Quando os olhos do príncipe Próspero pousaram nessa imagem
espectral (que andava entre os convivas com movimentos lentos e
solenes, como se quisesse manter-se à altura do papel), todos
perceberam que ele foi assaltado por um forte estremecimento de
terror ou repulsa, num primeiro momento, mas logo o seu
semblante tornou-se vermelho de raiva.
- Quem ousa... – perguntou com voz rouca aos convivas que
estavam perto – quem ousa nos insultar com essa caçoada
blasfema? Peguem esse homem e tirem sua máscara, para
sabermos quem será enforcado no alto dos muros, ao amanhecer!
O príncipe Próspero estava na sala leste, ou azul, ao dizer essas
palavras. Elas ressoaram pelos sete salões, altas e claras, pois o
príncipe era um homem ousado e robusto e a música se calara com
um sinal de sua mão.
O príncipe achava-se no salão azul com um grupo de pálidos
convivas ao seu lado. Assim que falou, houve um ligeiro
movimento dessas pessoas na direção do intruso, que, naquele
momento, estava bem ao alcance das mãos, e agora, com passos
decididos e firmes, se aproximava do homem que tinha falado. Mas
por causa de um certo temor sem nome, que a louca arrogância do
mascarado havia inspirado em toda a multidão, não houve
ninguém que estendesse a mão para detê-lo; de forma que,
desimpedido passou a um metro do príncipe e, enquanto a vasta
multidão, como por um único impulso, se retraía do centro das
salas para as paredes, ele continuou seu caminho sem deter-se, no
mesmo passo solene e medido que o distinguira desde o inicio,
passando do salão azul para o púrpura – do púrpura para o verde –
do verde para o alaranjado – e desse ainda para o branco – e daí
para o roxo, antes que se fizesse qualquer movimento decisivo
para detê-lo. Foi então que o príncipe Próspero, louco de raiva e
vergonha por sua momentânea covardia, correu apressadamente
pelos seis salões, sem que ninguém o seguisse por causa do terror
mortal que tomara conta de todos. Segurando bem alto um punhal
desembainhado, aproximou-se, impetuosamente, até cerca de um
metro do vulto que se afastava, quando este, ao atingir a
extremidade do salão de veludo, virou-se subitamente e enfrentou
seu perseguidor. Ouviu-se um grito agudo – e o punhal caiu
cintilando no tapete negro, sobre o qual, no instante seguinte,
tombou prostrado de morte o príncipe Próspero. Então, reunindo a
coragem selvagem do desespero, um bando de convivas lançou-se
imediatamente no apartamento negro e, agarrando o mascarado,
cuja alta figura permanecia ereta e imóvel à sombra do relógio de
ébano, soltou um grito de pavor indescritível, ao descobrir que, sob
a mortalha e a máscara cadavérica, que agarravam com tamanha
violência e grosseria, não havia qualquer forma palpável.
E então reconheceu-se a presença da Morte Escarlate. Viera como
um ladrão na noite. E um a um foram caindo os foliões pelas salas
orvalhadas de sangue, e cada um morreu na mesma posição de
desespero em que tombou no chão. E a vida do relógio de Ébano
dissolveu-se junto com a vida do último dos dissolutos. E as
chamas dos braseiros extinguiram-se. E o domínio ilimitado das
Trevas, da Podridão e da Morte Escarlate estendeu-se sobre tudo.