Era uma garota notavelmente diferente das outras. Seu jeito de olhar, de andar, seu estilo, mostravam sua peculiaridade sinistra. Seu olhar era ameaçador, mas simultaneamente manso. Todo seu mistério me encantou e os traços daquele rosto profundo cravaram-se em minha memória.
Tentei me aproximar e conversar com ela mas era uma pessoa muito fechada e quase não falava. Foi difícil o contato mas consegui fazer com que me contasse um pouco sobre sua história.
Foi uma menina exemplar, esforçada e dedicada mas se sentia excluída e ignorada por todos. Passou pelo início de uma depressão e tentou se matar já que não sabia como acabar com sua família. Seus pais eram autoritários e grosseiros. Dizia que sua vida era uma merda e que não prestava para nada. Consideravelmente comum para uma adolescente.
Mas havia algo naquele coração de pedra que a oprimia. Algo muito misterioso e profundo que refletia naquele olhar amortalhado. Impossível saber se a amedrontava ou a confortava. Se era seu veneno ou seu elixir.
Tentei saber mais sobre sua vida, conhecer sua personalidade, mas ela se tornou evasiva e não contou mais nada. Ofereci-lhe uma bebida, mas ela recusou. Porém vi que seu olhar começou mudar aos poucos com relação a mim. Apesar daquela aparência meio mórbida, a sua voz suave e os seus olhos penetrantes estavam me seduzindo em um misto de paixão e excitação. Até que surgiu um momento oportuno e eu a beijei. Ela hesitou no início mas depois pareceu gostar. Aquela garota me surpreendia e me encantava cada vez mais. Percebi que não era muito romântica. Recuou quando tentei pegar em sua mão. Mas não deixei assim e resolvi convidá-la para sair daquela festa entediante. Ela de pronto aceitou e fomos de carro até minha casa, uma vez que meus pais estavam ausentes.
Pedi que ficasse á vontade, mas ela permaneceu em pé no meio da sala. Aproximei-me dela e a olhei fixamente. Ela fez o mesmo. Colei meu rosto no seu e senti sua respiração suave, quase imperceptível. Logo a beijei. (Ah, aquele beijo indescritível!) Logo possuímos um ao outro e fomos para a cama. Após o momento de intenso prazer, meus sentidos foram anulados e eu apaguei.
Sonhei com aquela pele aveludada, com aquele olhar profundo, com aquela voz sussurrante e me ausentei totalmente da realidade. Ao acordar, procurei por aquele anjo misterioso, porém ele não estava mais lá. Entretanto o seu cheiro permaneceu impregnado no meu corpo, na cama, no ar.
Eu sabia onde procurá-la uma vez que ela ficava todos os dias no mesmo lugar, sentada, sozinha. Todavia, desta vez ela não estava. Fiquei por lá mesmo pensando naquela garota que se acorrentou à minha alma, e percebi que havia me esquecido de perguntar seu nome. Nem ao menos sabia a sua idade, apesar de notar que não passava dos dezoito anos. Ela era com certeza, inesquecível e eu, não estava apaixonado, e sim seduzido por aquela alma.
Permaneci sentado naquele lugar por um tempo até que vi pétalas de uma rosa no chão. Uma rosa rubra, cor de sangue, despedaçada e jogada ao vento. Juntei aquelas pétalas e senti nelas, o mesmo cheiro, o mesmo aroma que tomara conta de mim naquela noite. Decidi voltar pra casa, e levar os restos da flor comigo. Nem imaginava eu a surpresa que me aguardava.
Ao ligar a tevê o pavor se apossou de mim. No momento exato entrara o plantão de notícias relatando que um guarda noturno havia encontrado uma jovem recém morta em um cemitério por volta das cinco horas da madrugada.
O guarda contou que viu uma pessoa cruzar a rua e adentrar no cemitério. Achou aquilo estranho e resolveu ir até lá para ver do que se tratava. Encontrou a menina morta sobre um túmulo, com um corte profundo no pescoço, e ao seu lado a faca usada para isso.
Aterrorizado, voltei para o meu quarto onde ainda podia sentir aquele aroma agridoce. Contudo, as lembranças se tornaram fantasmas, demônios oprimindo minha alma. Não conseguia mais ver o rosto do meu anjo negro. Ela se tornou apenas uma sombra vaga e indefinível, uma imagem retorcida e sem forma.
Atormentado, pensei em ir até o local do suicídio, e decidido, cheguei onde queria.
No lugar onde jazia o corpo da amada, algumas manchas de sangue e o cheiro da morte digno do ambiente donde escrevo agora.
DJA_Lady
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